sábado, 13 de dezembro de 2008

Companhia


Pegue minha mão. Está na hora de mergulhar no imensurável oceano do desconhecido. E não importa mais se será fácil ou doloroso, desde que seja com você, será o melhor. Agarre-se em meus dedos e segure-se enquanto puder. Não vá, fique. Agarre-se a mim, agarre-se ao nosso ser.

Eu te amo em cada singelo detalhe e nada do que possa acontecer futuramente mudará nem uma parte do que sinto aqui dentro – tão forte, tão verdadeiramente.

Abrace-me e venha sentir a brisa em nossas faces desconsertadas. Vamos contemplar a visão da lua brilhante que nos encara tão serenamente. Temos de caminhar. Seguir nosso destino e rezar por nosso bem-estar.

O que eu realmente preciso é você comigo. E mesmo que não seja a todo o tempo, em meu coração não deixarás de ficar um só segundo.

Apenas abrace-me e mantenha-se em silêncio. Nossos olhares nos dizem tudo o que não cansamos de repetir. O meu coração jamais se calará diante de você.

Não me deixes. Eu sempre te levarei comigo.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Let It Be


Chegou e caminhou direto ao banheiro, deixando em seu caminho a pequena bolsa que levava pendurada no ombro esquerdo. Trancou a porta e começou a tirar a roupa. Tirou tudo o que vestia, deixou apenas a roupa íntima inferior. E as lágrimas vieram, mas vieram como nunca antes. Exageradamente apressadas e apressadamente exageradas. Em ritmo veloz e irrefutável. Ela abraçou as lágrimas como abraçaria a um amigo.

Deitou-se no chão enquanto pensava em tudo o que a havia levado àquele estado, tudo o que vinha acontecendo em sua vida e não lhe deram um por que. Ela nem ao menos soubera o que havia feito de tão absurdamente ruim para merecer tamanho buraco em seu peito.

As lágrimas não paravam, vinham mais e mais aceleradas. Ela apertava os olhos na tentativa de enxergar algo, mas tudo o que podia ver era a água doce que escorria dos seus olhos e deslizavam até seus lábios, desmanchando-se ali.

Eram doces. Sim, eram. Incrivelmente doces. Incrivelmente dolorosas e saborosas.
Abraçou seu próprio corpo e sentiu como se fosse a única com o desejo de fazê-lo. A única que realmente se importava com ela mesma. A única que faria de tudo por tudo. Afinal, alguém deveria mesmo se sacrificar por ela? Será que por que ela amava e protegia aos que amava com tudo o que podia significava que também deveriam fazer isso por ela? Será que era hipocrisia demais que ela pensasse assim? Ou seria naturalmente perdoável, considerando a humanidade daquela garota?

Ela nunca saberia responder. A única coisa que sabia é que ela realmente queria isso – queria que se sacrificassem por ela, que provassem afeto e a protegessem como se fosse a única na vida de alguém -, e não se importava de verdade se isso era certo ou errado. Não havia escolha, tomando sinceridade.

O desejo mais súbito e ridículo que lhe surgiu em vida aparecera. Tratou de apertar as mãos com toda a força que pôde, na tentativa maluca de fazer com que suas unhas entrassem fundo o suficiente em sua carne para fazê-la sangrar, fazê-la sentir dor maior que a que invadia seu peito constantemente – e com mais força agora.

Depois de usada toda a sua força, olhou para as próprias mãos. Nenhum estrago real havia sido feito. As marcas de suas unhas estavam fincadas na pele de suas mãos, mas não era nada que não sairia um pouco depois – nada que abafasse a sua dor.

A inércia tomou conta de seu corpo. E as lágrimas saíram ainda mais rápidas e intensas do que é possível imaginar. A raiva invadiu cada brecha de vida ali existente, cada organela de cada célula de cada parte do seu corpo. E ela começou a arranhar, tentando arrancar a própria pele do corpo, fazer sangrar, fazer doer. Qualquer dor era melhor que aquela. Qualquer uma.

Foi se arranhando com toda a força que podia. A raiva crescendo a cada segundo que passava. Passou a puxar os próprios cabelos e bater a cabeça no chão. Tentou de todas as maneiras mais malucas que lhe surgiu causar-se dor. Nada adiantou. Nada era forte o suficiente. Nada doía o bastante. Mas ela continuou. Deu gritos abafados e chutou o chão, várias vezes. Deu socos na parede e tapas em seu próprio rosto.
Nada adiantava. Nada lhe doía mais. Nada lhe machucava tanto.

Ela desistiu – ou quase. Deitou-se completamente de novo e pôs-se a derramar mais lágrimas. E chorou, chorou o quanto pôde. E lhe surgiu uma idéia.

Talvez se seu coração parasse de bater, isso não doeria tanto. A morte não lhe parecia tão cruel naquele momento. Parecia uma amiga. A única amiga realmente desejosa de lhe ajudar.

E, sem pensar exatamente no que estava fazendo, levantou-se. Pegou a gilete nas mãos e tremeu. Não sabia como se fazia isso. Não sabia se tinha coragem, mas não quis pensar. Estendeu a gilete ao pulso esquerdo e pressionou com toda a força que conseguiu reunir, que não era muita. Não conseguia movê-la. Apenas deixou-a escorregar pelo seu pulso fazendo um corte leve, que não parecia querer sangrar. Então ela sentiu a dor. Era o que ela queria: a dor.

Não se sabe se ela sempre soube que não teria coragem de fazer isso, nem mesmo ela sabe. Mas ela ainda estava chorando. E não era pelo corte em sua mão, ainda era a dor no peito. Pensou mais uma vez em tirar sua própria vida, aquela que lhe fora dado de bom grado, sem que fosse desejada. Ela ainda tinha toda essa inocuidade. Ainda tinha tanto para descobrir e viver. E, apesar de tudo, havia alguns que lhe amavam e que realmente se sacrificariam por ela. Então, deveria ela se sacrificar por quem não faria o mesmo?

Segurou a gilete com mais força e decidiu apenas fazer sangrar, fazer doer. E pressionou com mais força, dessa vez não tremia. Apenas pressionou e arrastou para o lado, sentindo as lâminas cortarem sua pele. Quando viu, começou a sangrar. Nada de mais, mas ela viu sangue. E talvez tenha gostado da dor, porque tentou novamente. E o sangue saiu mais uma vez, a dor apertou um pouco mais.

A dor ainda não era bastante. Nada comparada à sua real dor. Mas ela queria esse masoquismo agora. Estava gostando da dor irritante ardendo em seu braço, fazendo-a se preocupar menos com uma dor maior. Cortou-se mais algumas vezes, quem sabe por diversão – uma diversão sombria, na verdade.

Levantou-se. Ainda com lágrimas no rosto. Olhou-se no espelho e viu a figura mais deplorável. Não era a feiúra, os cabelos despenteados ou os olhos inchados, era o estado de espírito. O estado de espírito mais deplorável que já vira, em descrente decadência.

Sentiu nojo de si mesma. Vontade de cuspir na figura que lhe olhava bem em frente. E tapeou-se, repetindo a ação depois. E chorou mais.

Após um longo momento contemplando a própria figura no espelho, tocou as próprias feridas externas. O sangue já estava seco, petrificado ali sobre os seus cortes. Beijou a própria mão e disse:

- És meu sangue. Minha vontade de viver agora. Não pare de correr pelas minhas veias – e as lágrimas vieram novamente, deslizando sobre sua face já ensopada e avermelhada -, preciso de você.

Tomou um banho quente e rápido e, dando de ombros, decidiu ir viver...