sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Chiaroscuro

Olhou-se no espelho tão atentamente que não parecia se ver. Porque não se via. Seu olhar era sempre distraído. Repousaria na face de outros com cuidado (e nem sempre), mas ao encarar a si mesmo, era vago. Como se pretendesse manter distância – acho que pretendia.

Lavou seu rosto, mas não se sentia limpo. Há mais do que o físico a encarar. Seu corpo era sua máscara – caía-lhe tão bem, servia-lhe perfeitamente, jamais suspeitaram de que por trás daquela pele havia mesmo alguém. Eles falariam como se houvesse, mas não acreditavam de verdade. Se acreditassem, não falariam.

Continuou a se despir, mas não acreditava em sua nudez. Sabia-se carregado, conhecia-se bem e percebia suas próprias simulações. Mas as percebia apenas em silêncio, que era para não correr o risco de se ouvir. Ou não suportaria as próprias palavras – ainda que fossem sussurros ou gritos.

Aquietou-se debaixo do chuveiro, mas não se deixaria iludir que com a água também escorreriam suas dores. Continuaria dizendo a si mesmo que agora estava tudo bem, que o sorriso estava lá e que ninguém o estava enganando. Mas conhecia sua mentira - mentia para si mesmo e era o que todos mais fariam ao encontrá-lo.

O sabonete escorregou de suas mãos, assim como sua fé nas pessoas, como seu desejo de vida e seus sonhos de cabeceira. E não suportou que ele deslizasse pelo chão, brincando com sua paciência, sabendo que a vida também era assim mesmo. Com lágrimas de raiva, dor, tristeza, impaciência, cansaço, e com força, fechou seus olhos, seu corpo pesou e caiu, não suportou. Fechou os olhos. Nunca havia visto a si, a vida, as pessoas... Seus olhos escureceram pois nunca os havia visto tão claramente.

Seus olhos cegaram, mas é que havia visto demais.