Olhou-se no espelho tão atentamente que não parecia se ver.
Porque não se via. Seu olhar era sempre distraído. Repousaria na face de outros
com cuidado (e nem sempre), mas ao encarar a si mesmo, era vago. Como se
pretendesse manter distância – acho que pretendia.
Lavou seu rosto, mas não se sentia limpo. Há mais do que o
físico a encarar. Seu corpo era sua máscara – caía-lhe tão bem, servia-lhe
perfeitamente, jamais suspeitaram de que por trás daquela pele havia mesmo
alguém. Eles falariam como se houvesse, mas não acreditavam de verdade. Se
acreditassem, não falariam.
Continuou a se despir, mas não acreditava em sua nudez.
Sabia-se carregado, conhecia-se bem e percebia suas próprias simulações. Mas as
percebia apenas em silêncio, que era para não correr o risco de se ouvir. Ou
não suportaria as próprias palavras – ainda que fossem sussurros ou gritos.
Aquietou-se debaixo do chuveiro, mas não se deixaria iludir
que com a água também escorreriam suas dores. Continuaria dizendo a si mesmo
que agora estava tudo bem, que o sorriso estava lá e que ninguém o estava
enganando. Mas conhecia sua mentira - mentia para si mesmo e era o que todos
mais fariam ao encontrá-lo.
O sabonete escorregou de suas mãos, assim como sua fé nas
pessoas, como seu desejo de vida e seus sonhos de cabeceira. E não suportou que
ele deslizasse pelo chão, brincando com sua paciência, sabendo que a vida também
era assim mesmo. Com lágrimas de raiva, dor, tristeza, impaciência, cansaço, e
com força, fechou seus olhos, seu corpo pesou e caiu, não suportou. Fechou os
olhos. Nunca havia visto a si, a vida, as pessoas... Seus olhos escureceram
pois nunca os havia visto tão claramente.
Seus olhos cegaram, mas é que havia visto demais.
Seus olhos cegaram, mas é que havia visto demais.