Eu cometi um erro.
Primeiro, houve a relutância. “Não, mas é porque quando eu
me deparo com a situação X, eu reajo de maneira Y! É o meu jeito, não sei ser
diferente!”. Eu me defendi de mim mesma. “As pessoas precisam me entender como
eu sou!”.
Em seguida, os julgamentos dos conhecidos. Que não sabem
muito, mas frequentemente parecem acreditar que “como utilizar o dedo indicador”
é saber o bastante. “Ele sempre age assim”, “Ela deveria se encontrar antes de
fazer essas coisas”, “Você viu que ele fez exatamente o que disse que não
faria?”, “Ela nunca toma boas decisões!”...
Os amigos também falaram. Disseram de maneira sutil, mas
quiserem dizer o mesmo: que um erro fora cometido. “Você errou”.
É engraçado como as palavras “sempre” e “nunca” costumam
aparecer nos discursos de quem fala sobre alguém. E, às vezes, de quem fala
sobre si mesmo. Mais engraçado é como a gente parece saber “A Resposta” – o que
deveria ter sido feito, o que daria melhores resultados, o que significa agir
deste ou de outro jeito, como seria mais plausível que alguém (ou a gente)
tivesse adotado uma postura diferente, e às vezes o diferente tem uma só
vírgula de distinção do que, de fato, houvera.
Como a gente parece saber o que é certo e errado a se fazer.
Digamos que se saiba, de fato, que atitudes são certas e
erradas... Estive me perguntando o que me faz sentir que posso falar deste
Outro, que não conheço além do que me mostra, com tal propriedade que, diante
de suas atitudes, reconheço-me no direito de dizê-lo A Verdade: que ele não
sabe o que é melhor para ele mesmo. Presumir que sei o que se deve ser feito é
imediatamente concluir que todos os outros (ou, no mínimo, boa parte deles) não
sabem. Afinal, reconhecendo que temos maneiras distintas de pensar um mesmo
assunto, jamais caminharíamos pela mesma estrada – ainda que, por vezes,
chegássemos ao mesmo ponto final ou nos cruzássemos no meio do caminho.
Agora vamos pressupor que cada um desenvolve seus próprios
conceitos de certo e errado e, embora acredite neles, não estende sua crença
aos outros ao ponto de criticá-los caso discordem entre si. Quando considero
que errei, por que todos me ensinam a me martirizar por meus erros, como se
isto fizesse de mim um monstro?
Eu não sou um monstro.
E eu erro.
Perceber meus erros me torna humana. Refletir acerca de suas
implicações em minha vida (e na de outros) me torna ainda mais humana. Repensar
minhas posturas diante do mundo me faz sentir o ser humano que eu sempre quis
ser.
Mas nem sempre eu percebo. Às vezes eu me recuso a refletir.
Repensar pode parecer, muitas vezes, a última das coisas que eu quero e/ou
preciso fazer. Sou imperfeita.
Poucas foram as vezes em que chegaram pra mim e disseram:
“eu cometi um erro”. Poucas vezes eu o disse em voz alta. Mas consigo me
lembrar de várias vezes em que eu e/ou outras pessoas nos posicionamos diante
de outros e, mais vezes ainda, a respeito de outros, simplesmente para apontar
o que consideramos ter sido um equívoco, pouco empáticos.
Nós erramos.
Eu erro.
O que me intriga é que eu me coloque em posição de
criticidade constante a respeito das atitudes de outras pessoas e, quando se
trata de mim, que eu ou deixe passar sem reflexão boa parte do que eu poderia
ter feito de melhor ou me cobre demais sobre as posturas adotadas.
Cheguei à conclusão, diante de meus devaneios
desorganizados, que a gente precisa respirar mais devagar e encarar tudo com
menos seriedade. Que eu preciso respirar devagar e oferecer (a mim e a quem me
cerca) um pouco mais de leveza. Defeitos sempre teremos, equívoco é até
saudável que a gente permaneça cometendo, mas extrair de cada vivência o máximo
de consciência que se puder é um desafio que eu quero travar comigo mesma. Já
consigo imaginar a quantidade de coisas lindas que posso colher na minha vida
se, ao invés de procurar saber, eu procurar me conscientizar – e, num processo
todo meu de abertura, passar a compreender mais do que explicar.
Sim, eu erro. Não sou um monstro, sou imperfeita. Quero
continuar imperfeita e sentir que, em cada deslize, eu sou capaz de reconhecer
menos verdades e mais do Outro, mais de mim, do mundo. Que, a cada voo
ocasionando quedas, eu possa aprender a cuidar melhor de meus arranhões e
oferecer a mão aos que também estiverem machucados. Que haja sangue pulsando em
cada ferida, sinceridade nas lágrimas de cada choro, compreensão nas incoerências
de cada uma de minhas dores e honestidade em todas as minhas fraquezas. Apesar
dos mantos que nos cobrem ensinando a máscara da fortaleza, quero mergulhar na
água límpida que lava as certezas e me recobre de dúvidas.
Imperfeita, eu sou mais humana. Humana, eu sou mais de quem
eu sempre quis ser. Sim, eu erro. Quem eu quero ser também erra. Mas não, eu
não sou monstro algum.