Estou
frequentemente observando a maneira como as pessoas olham umas para as outras -
nos sentidos todos que a palavra “olhar” pode adquirir. O que me surpreende é
que se vejam dentro de um caixote onde não caberiam coisas demais: como, por
exemplo, diferentes características; aparentemente contraditórias, porém não
necessariamente excludentes. Pressupõe-se imediatamente que uma pessoa deve ser
boa ou ruim, generosa ou egoísta, sensual ou delicada, inteligente ou estúpida,
extrovertida ou quietinha. Mas aí se a gente sair reparando nas pessoas do
nosso cotidiano, as pessoas reais, que não são o vilão da história ou a mocinha
da novela, percebe-se que a realidade foge desta dualidade de “ou uma coisa, ou
outra”.
O
que somos vive em trânsito. Não consigo lançar sobre as pessoas um olhar
estático de permanência: “você é e sempre será uma coisa ou outra”. Não. Eu sou
o que eu quiser quando eu quiser ser. Às vezes sou o que eu não quero, meio sem
querer, mas não me cabe o sempre. Você também. Somos situações e nossas reações
às mesmas, e nossas ações sobre as mesmas, que são diversas. Esperar que de um
substantivo germine sempre o exercício de um mesmo adjetivo é limitar sua
compreensão do que virá a se mostrar do outro.
Somos
livres para dizer “sim” e “não” aos nossos anjos e demônios. Para pensar antes
em si mesmo, dizer a verdade e guardar um segredo. Plantar uma árvore e roubar
uma flor. Tentar escalar uma montanha e passar o dia de pijama na cama. Contar
uma mentira no primeiro de abril e em dezessete de julho. Abrir mão de uma
vontade pra não magoar alguém e fazer o que deseja apesar de alguém. Escrever
uma carta de amor e outra de ódio. Ouvir canções alegres e outras melancólicas.
Querer atenção e não querer ninguém. Ser silêncio e ser discurso. Caminhar
devagar e correr apressado. Só falar depois de ouvir e não ter paciência pra
nem mais uma palavra. Para ser abertura ou não.
É
que o outro é o outro, mas pode ser tantos outros quantos forem possíveis
imaginar – e outros tantos mais. É que eu sou eu, mas posso abarcar tantos
outros quanto eu posso imaginar – e tantos mais -, e todos os outros serei eu
do mesmo modo imensurável. Que a gente não se limite a achar que somos menos do
que tudo o que somos nesta oscilação de estados em que nos apresentamos inconstantes,
imperfeitos, inacabados. Transitivos (que, em vão, tentam intransitivar), somos
uma combinação de reflexos coloridos que se constitui diferente a cada
movimento. Somos caleidoscópio.