terça-feira, 8 de novembro de 2016

Quando um não quer, dois não se encontram



            Só te encontro a caminho da padaria. Na fila da lotérica, e quando já vai chegar a minha vez. Correndo pra alcançar o ônibus que tá vindo ali na esquina já e vai demorar mais uns 40min pra passar de novo. Quando cê tá pra lá de atrasado pra um compromisso, acordou tarde, quase que perde a hora... Já pensou? Parece que a hora da gente não encaixa. Que minto, e que a hora nunca é da gente mesmo, que tem a tua hora, e tem a minha hora, e que são horas diferentes, elas mal se encontram, não se acertam.

            Outro dia eu saí de casa tão despreocupada, tão querendo o passo lento e calmo da vida, que você foi meu primeiro pensamento. Saí assim pensando com tudo o que eu sou que naquele dia era pra gente se encontrar, a qualquer esquina do meu caminho, do teu caminho, era pra ser nosso encontro. Desejei tanto, como quem acredita piamente que a força do pensamento é suficiente para que a vida entre no eixo do nosso querer. E eu acreditei tanto que eu achei que ia entrar e que tu ia aparecer pra reparar no meu corte de cabelo e não falar nada, pra eu saber que teu coração ia acelerar que nem o meu, e a gente ia querer junto que tivesse um depois dali, porque o presente não ia bastar.

            Eu queria assim, um presente que não bastasse pra nós. Imagina que coisa bonita que ia ser se a gente se encontrasse ali naquele dia calmo que eu saí de casa despreocupada e querendo te trazer ao meu encontro só na força do pensamento, um pensamento que ia ser tão forte que ia mesmo te trazer pra me encontrar, e reparar na minha calma, e no meu cabelo, e no meu coração querendo abraçar o teu só pela velocidade. Tu sabe como eu adoro que o negócio seja bonito assim que nem na minha cabeça, né? Que eu sou só romance por baixo de um monte de pensamento moderno como cada um na sua e etc.

            Voltar pra casa sem te ver naquele dia era como uma comprovação lógica de que a hora ainda não era essa, e teu tempo ainda era diferente do meu, e nossa hora ainda não era nossa, tinha a tua e tinha a minha, mas elas são diferentes e mal se encontram. Era pra ter sido mais do mesmo e não foi. É que minha hora de ser junto da tua já tinha chegado, e eu saí despreocupada é porque tudo em mim era a fé de que dessa vez era pra ser. Tudo em mim era o desejo de fazer com que dessa vez fosse. Mas eu sou é besta, ou só muito autocentrada, porque na crença de que meu tempo tava pronto pra ser finalmente teu tempo também, eu me esqueci de que um encontro pede pelo menos dois entes dispostos à coisa que está prestes a acontecer ali, no além do primeiro passo.

            Mais uma vez eu estava te encontrando a caminho da padaria, mas eu estar disposta a abrir mão do café da manhã só pra gente poder trocar uns miúdos, com calma, à procura de um depois de agora, ceifou aquilo que chamam de - sem cuidado, talvez - ação despretensiosa. Acho que fui pretensiosa demais. Vi meu querer desabrochar de um jeito tão bonito que parecia pronto pra frutificar. Achei que, pretensiosamente, meu querer bastava pro teu. Doloroso a gente ver assim crescer na gente não só o sentimento bonito que era eu querer tu comigo, mas o negócio feio que era eu achar que isso bastava pra tu entrar na hora e fazê-la nossa.

            Não sei, eu tenho uma tendência difícil a pegar pesado comigo mesma, sabe, acho até que cê sentiu (ou era o que dava pra ver pelo tom de luminosidade com que tentou encher a maré tempestuosa que são meus pensamentos), mas eu to vendo é que tem sido essa a minha casca de banana no chão: a pretensão. Só que se a gente tem um negócio na cabeça, no coração, na vontade, tá ruim de não pretender, planejar, se propor, almejar e esses outros sinônimos, não é não? Tá ruim de não se arremeter pra não se arrematar. Tá ruim de não botar fé que vai ser bom, que vai ser nosso e que vai ser.

            Talvez, só talvez, deixar de agir despretensiosamente faça parte de eu estar disposta ao nosso encontro. Daí que talvez tudo o que eu senti saindo de braços abertos ao encontro de alguém que nem sei se viria tenha sido uma presunção de anseio mais que de arrogância. É isso, eu preciso acolher uma ambição que nasce tão genuína e se entrega no impulso inconsequente da esperança, sabe? Acolhê-la ciente de que a casca de banana em que escorreguei também tem propriedades de cicatrização sobre a pele irritada. Cê pode procurar saber, minha vó que me ensinou tem poucos dias.

            E eu vou ouvir o conselho da minha veinha, viu... Se, na correria pra alcançar o ônibus a tempo, a afobação da minha pretensão me fizer de novo escorregar, vou respirar fundo e seguir, voltar pra casa, me acalmar, como fiz naquele dia. Só que agora eu sei que no mesmo canto em que a gente tropeça, a gente encontra a cura. A casca de banana que era só meu empecilho, se bem utilizada, vai ser minha cicatriz. E, um dia, esse desencontro tão palpável que parece coisa quando pesa sobre meu peito, vai ser só a lembrança, talvez marca, de um trecho de vida que percorri, mas já passou. Talvez junto com você. Vou deixar curar... Mas talvez, só talvez.