domingo, 27 de setembro de 2015

Caranguejo


Como um susto, des-cubro. Debaixo, há o não-saber. Assustada, não sustento a verdade: desconheço o limite que evita a fusão. Tento que seja meu o que me sustém, e não é. Tento conhecer o que não é meu. O teu é?

Nunca sei.
Por isso o susto.
Por isso assusto.
O meu desconhecimento escurece a visão e não me deixo ver. Ou vejo...

PERCEVEJO. Fincá-lo na pele não confirma suas raízes, mas fere, tatua, sangra na marca que deixa. Se percebo o percevejo, finjo que não vejo. Deixo e me esqueço - não dele; de mim.

Cubro-me.

Debaixo, há o desconfiado que não se pronunciou. O desconfiado em silêncio, o desconfiado em muda-nça. Sustento-me se percebo o manto que me envolve e crio minhas ilusões de segurança, embora seja aqui o único lugar. Coberta, calo as descobertas, mas grito alívios.

POR SI VEJO, há em mim uma terceira pessoa que pede seus devidos pronomes. E se vejo, si vejo cítrica. E se não vejo, agridoce. No paladar, descubro o sabor para me dar. Desvendo-me ao deixar de não me ver.

Estou entre coberta e descobertas. Estou entre deixar de ver e desvendar-me. Entre o percevejo cravado e o por si vejo despertado. Entre o mudo e a dança. Eu lhes asseguro: não estou segura. O limiar é casa de ninguém; e o limite entre ser e te conhecer, perco-o no instante deste limiar. E aí, ou peixe... ou caranguejo-me.

domingo, 30 de agosto de 2015

Ensaio sobre a cegueira


Há sangue no asfalto
Pessoas correm, des-esperadas
Aguardam o disparo que
ensurdece a dor

No contato, não há
tato
Peço teto
Não tem certo

De vasta dor,
a violência
exclama:
há chamas          
em todo o clamor

Gritos, como apitos,
em surda prece
por silêncios, olhos
tidos e perdidos

O caos incongruente
atravessa as ruas
Vai, protege as tuas!
Os guardas despensam
Não refletem a gente

Engradado em casas,
em sua defensiva ilusão
de ótica..
- Mundo, normal tu estás!
E ninguém se retratou,

ou reparou.

domingo, 28 de junho de 2015

(am)arte


vejo o simples
pulsante de beleza
vertido em distorcida face
caricatura de ódio e negação
esquecido de sua arte

há neste sutil abraço
de coração exposto
e peito aberto, descoberto,
a contemplação do caminho
da verdade, do amor
e da vida

do outro lado, há tantos olhos
escondidos em sua verdadeira
distorção, e apontam,
em negação e denúncia,
sua própria incompreensão
do que é belo e que pulsa

vêem perdição
naqueles que só se perdem
em e por amor,
são eles que se perdem, porém!
pensam-se amor, mas
caminham com desprezo

eis o apelo:
baixem as guardas!
silencia teus medos!
enfrenta teus desafios!

pois neste sutil abraço,
além do desejo inócuo
de liberdade e respeito,
para além da sua sede
de empatia e compreensão,
manifestam-se sentidos
de amar

ama-te!
cuida-te!
olha-te!

nutrir por si mesmo
o amor mais puro
transforma-o em beleza
revela-o em humanidade
e se mostra em caminho,
em verdade e em vida

amar-te se desnuda em
magnificente arte,
e cria, e transforma
o amor de si no amar
a todos.

sábado, 4 de abril de 2015

Maria tecia poesia

Não há, nas palavras, como dizer. Só no silêncio. E a necessidade de trans-bordar se retém em linha solta, desordenada.

              Traço um laço, fito a cena, enlaço o corte, descuido da seta.

O mudo revela: há mudanças costuradas em tecido cobre, cobrando atenção para seus ditos, vibrando sua ferrugem desgraçada.

Não há graça.

Maria usa tesoura, usa papel, usa agulha, usa purpurina, usa borracha, usa pedaço de pano, pedaço de papelão, pedaço de vida. Maria não tem palavras, mas tem dizeres. Maria usa do mundo para desusar seus hábitos. E desabita, inábil.

Não há como dizer, mas diz – afastem as palavras que ela quer falar. Tirem de perto as pronúncias que ela assim se manifesta: estática, calada de sons, bordando sentidos de saber e desconhecer. Da borda da calça às bordas das experiências pulsantes de seus dias, Maria trans-bordando negligência cala dores, e amores, e cores, e odores, e pudores para seguir imitando a superficialidade da borda, que não adentra e não se expande, que não se revigora nem transpassa; Maria só diz se for silêncio e não se engraça em habitar.


Nas costuras de vivas passagens mudas, a linha que liga Maria às desarmonias firmemente se prendia de uma borda a outra em uma graça única que havia: Maria sentia poesia nos dias.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Will You Love Me Forever?


Tocava Will You Love Me Forever?. De imediato, a lembrança de teu rosto umedecido parecia uma presença. Cheguei a sentir teus pelos eriçados roçando em minha pele. Teu olhar lacrimejante curiosamente aparentava ter sido desenhado sobre tua feição triste e solitária, delineado em sua imprecisão. Uma súplica. “Não vá embora, jamais”. Silenciosamente desesperada, tua súplica era uma mentira que contavas a ti mesmo e o desespero nascia da certeza de que nunca serias capaz de evitar minha partida.

O intrigante, você já sabia, era que eu não desejava ir embora, nem por um segundo. Em meu olhar, esboçava-se a satisfação em ser tua, entrelaçada em teus braços, suscitando teus passos, sutil e tua, descompasso. Teu desespero nascia da minha certeza – e crescia em tuas desproporções, em tuas desarmonias, em teus descuidos e, inevitavelmente, glorificava-se em tua dúvida incurável. Às vezes eu era capaz de ouvir a latência em teus pensamentos de tua principal e emudecida insegurança: como alguém poderia ter tanta certeza?

Tocava My Baby Cares For The Animals. Você ainda parecia estar ali. Sorriso mudo, agora. Olhar carinhoso. A angústia se dissipara dando lugar a uma profunda gratidão. “I like you the best”. Toque de lábios, dedos se encontrando em harmonia. “Yes, I do”. Tua presença era agora excruciante em mim. Tua maior beleza à tona: sentir-se amado como quem recebe o melhor dos presentes. Tua presença era, agora não restavam mais dúvidas, a minha saudade do que havia de mais brilhante em você. Há tempos você havia se apagado em mim.

Te acendi como uma luz no peito que, acelerada, ilumina todo o arredor. Você sempre soube que eu partiria com as minhas certezas no bolso, sufocada e desistente. “If you love me, don’t eat me”. Soube que, entre desarmonias e descuidos, equilíbrio é utopia. “If you want me, be sweet”. Teu desespero nascia da minha certeza e jazeria na consumação de tuas suspeitas.

Tocava Skeleton Key. Você se dissipava lentamente, deixando apenas teu riso mudo, teu olhar carinhoso e tua profunda gratidão. Era só o que eu queria guardar da tua presença, os raros momentos em que você se esquecia de que me faria partir eventualmente e, em tons delicados e honestos, desenhava-se à minha frente exatamente como agora, ausente de passado e futuro, entregue ao presente de sentir-se amado. Estou decidida. Apenas tua maior beleza vou guardar comigo. “And you’re finally free to twist and turn like a skeleton key”.