Contemplava
o espelho, em cacos, dolorosamente espatifado à sua direita. Achou bonito – os pedaços
dispostos, desorganizados, refletiam sua imagem, em desarranjo. Espalhados como
estavam, não lhe davam a ilusão de conhecer seu próprio rosto inteiramente.
Via-se em alguns cacos, outros, virados ao avesso, não lhe representavam – os outros
sim? – e questionava-se até que ponto se sabia como era.
Não
sabia.
Talvez
seja esta sua maior limitação (e desordem): não saber e, ainda assim,
revoltar-se contra o que (acha que) sabe. O espelho era a ilusão da qual não
queria se abster. Em cacos, ainda significava mais – o espelho - do que se não
houvesse nada. O nada assusta, angustia, inquieta, não lhe deixa adormecer. O
algo era preciso – o espelho era algo.
Acocorou-se.
Como
se aproximar de si mesma se estava presa à sua imagem? Era esta sua prisão.
Acorrentada ao que acredita ser, afasta-se de quem é. Seria necessário que se
desaprendesse de si mesma – que seu autorreconhecimento acontecesse no “nunca”
ao invés do “sempre”. Que se largasse, que se rompesse, que se destoasse, que
se despercebesse.
Os
cacos refletiam sua imagem, estilhaçada e incorreta, mas não lhe representavam.
Ela não era os cacos dispostos no chão, confusos, imperfeitos. Ela não era a
imagem que se formava despedaçada. Ela não era o espelho - o espelho não era o
que lhe restava, era só o resto do que se parecia ser. O resto, às vezes,
sequer faz parte do todo.
Livrar-se
do espelho ainda não era a solução. Era preciso que encarasse o nada que se
mostraria como o que havia de mais precioso em si mesma, o tesouro que
encontrara em Si. Que se visse como quem não se enxerga para que fosse além do
que alcançaria. Para que não mais houvesse o medo de que os cacos a definissem.
Para que a imagem distorcida, ainda que falha, não fosse mais o seu conforto, a
mentira à qual se agarra, temerosa que cair seja mais devastador do que é capaz
de aguentar.
Não seria. Ela que seria...
Ela
era reticências – e este nome ainda era deveras vago se para representar sua totalidade.