terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ilus(traç)ão

Contemplava o espelho, em cacos, dolorosamente espatifado à sua direita. Achou bonito – os pedaços dispostos, desorganizados, refletiam sua imagem, em desarranjo. Espalhados como estavam, não lhe davam a ilusão de conhecer seu próprio rosto inteiramente. Via-se em alguns cacos, outros, virados ao avesso, não lhe representavam – os outros sim? – e questionava-se até que ponto se sabia como era.

Não sabia.

Talvez seja esta sua maior limitação (e desordem): não saber e, ainda assim, revoltar-se contra o que (acha que) sabe. O espelho era a ilusão da qual não queria se abster. Em cacos, ainda significava mais – o espelho - do que se não houvesse nada. O nada assusta, angustia, inquieta, não lhe deixa adormecer. O algo era preciso – o espelho era algo.

Acocorou-se.

Como se aproximar de si mesma se estava presa à sua imagem? Era esta sua prisão. Acorrentada ao que acredita ser, afasta-se de quem é. Seria necessário que se desaprendesse de si mesma – que seu autorreconhecimento acontecesse no “nunca” ao invés do “sempre”. Que se largasse, que se rompesse, que se destoasse, que se despercebesse.

Os cacos refletiam sua imagem, estilhaçada e incorreta, mas não lhe representavam. Ela não era os cacos dispostos no chão, confusos, imperfeitos. Ela não era a imagem que se formava despedaçada. Ela não era o espelho - o espelho não era o que lhe restava, era só o resto do que se parecia ser. O resto, às vezes, sequer faz parte do todo.

Livrar-se do espelho ainda não era a solução. Era preciso que encarasse o nada que se mostraria como o que havia de mais precioso em si mesma, o tesouro que encontrara em Si. Que se visse como quem não se enxerga para que fosse além do que alcançaria. Para que não mais houvesse o medo de que os cacos a definissem. Para que a imagem distorcida, ainda que falha, não fosse mais o seu conforto, a mentira à qual se agarra, temerosa que cair seja mais devastador do que é capaz de aguentar.

Não seria. Ela que seria...

Ela era reticências – e este nome ainda era deveras vago se para representar sua totalidade.