terça-feira, 15 de novembro de 2011

Contrastes meus

Sinto-me inquieta. Incapaz de repousar, de descansar a mente do corpo, o corpo da mente, a vida de mim. Parece-me que sou essas oscilações que permaneço tentando equilibrar. Como se equilíbrio por si só já não encaixasse em mim – não combinasse com quem sou.

E me remexo cá dentro, como o faz quem tem algo a dizer - mas nunca digo. Não digo porque pareço incapaz de me pronunciar diante do que não sei distinguir. Não sei - e isto pesa como pesa viver.

Pareço procurar e nunca encontrar como se fosse este mesmo meu propósito. Como se estar perdida fosse o meu encontro; e encontrar-se é perder-se. Eu me perco. Estou perdida de mim. Não me acho em meio aos paradoxos em que me vejo. Sou todas e nenhuma – isto me confunde e acalma, a confusão me deixa mais parecida comigo mesma enquanto me distancia do mundo.

Acho que não nasci para me acostumar. Desacostumo – até de mim. Neste mesmo momento, não me sinto confortável em existir. Bom seria se pudéssemos desexistir vez em quando. Feito fênix: queimar-se inteira em sua existência para logo renascer das próprias cinzas.

E eu que busco nos outros uma compreensão sobre mim mesma que nem eu consigo alcançar. Eu fujo de mim, escapulo das minhas próprias mãos como se não fosse eu quem me agarra. Agonia de mim, e de tudo o que eu chamo de eu, e de todos que me escapam sem que eu perceba. Sei que estou aqui, mas não me percebo sabendo o que fazer de mim. Sou um encosto na minha vida.

Preciso morrer um pouco, a vida de tão efêmera tem me sufocado em seu fluxo de inconstâncias e magnitudes. Morrer um pouco de mim para renascer um pouco mais eu. Eu não sei como ser eu mesma e me perco tentando ser quem eu acho que sou. Eu preciso morrer de mim que viver tem sido esta exaustão – tenho estado muito viva. Estar (e sentir-se) viva requer demais.

Preciso é morrer um pouco. Renascer em mim. Para me suportar como eu.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

De ser quimera

Esta dispersão que sou é o que me permite ser. Sonho que sou, que melhor me faço, que sonho serei. Porque fujo. E assim sou.

Serás também? Ou nunca seremos. Ou jamais serei. Ou sonho nos desfaremos. E vida encararemos, perdidos de encontro.

Disperso-me que é pra não me perceber. Sonho sou, sempre sentirei ser, assim deixo sendo, como se só fosse sendo pra mesmo ser. Sendo, sonho; e sendo, sonho sou.

Mas só sou é dispersando-me de ser. Pois atento ao que sou, distancio-me de meu sendo-é-que-sou. Por isso sonho sou e te convido a ser: para que sendo possamos mais que ser ao nos somar ao somos.

domingo, 18 de setembro de 2011

Peso da leveza no olhar



Olhos pesados, refletindo o cansaço do mundo.
Pesados de mentiras, de omissões.
Pesados do falso, do efêmero, do que é para já não ser mais.

Olhos pesados, transbordando as próprias verdades nas íris.

Doentes de uma busca inexprimível, saudáveis de sanidade.
Visam um mundo à procura de outro (para nunca encontrar).
Estão abertos de tão fechados.

Olhos pesados, alcançando a leveza do desejo.
Pesam de veracidade, de sinceros que são.
Olhos que pesam, de tanto que confiam, desconfiados estão.
Misturam o interesse em estar vivo com a exaustão de existir.
E pesam, pesados que são.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Amparo

Sou este medo do mundo que habito - como se habitá-lo não me fosse natural -, mas se mergulho no contorno verde de seus olhos, que me entregam uma esperança que não esperava encontrar, logo esqueço meus temores para abraçar o encanto do que nos envolve. Parece-me que sou incapaz de resistir ao que você me desperta.

Eu tomo sustos de existir. Tenho um coração frágil que se dói todo quando acelera, quando quase para. Constantemente me perco na falta de habilidade de ser o eu que sou. É que o mundo me assusta, de mundano que é. Mas aí você aparece e me acorda um sorriso, dorme minhas tristezas, boceja devagar uns sussurros e me ama de um jeito que nem pra entender, nem pra explicar. E eu me espreguiçando do mundo, adormeço em você.

De tanto aparecer em meus sonhos, você já se parece um. Com direito a despertar assustada, sorrindo, devagar, quase dormindo, sem abrir os olhos, só ouvindo.

É que ao seu lado qualquer medo parece nenhum, qualquer desafio soa pequeno, qualquer dor finge que nem existe, todos os traumas recuam depressa e os teus dedos entre os meus tomam o lugar de tudo o que era significativo.

Nesses nados dessincronizados em seu olhar já muito me perdi, mas não quero me encontrar em outro lugar. O mundo me assusta. Deitada em seu peito eu me deparo com o lugar a que pertenço, onde os receios se dissipam, as alegrias se espalham, pois me percebi num mundo que me é natural, aconchegante e confortável.

No teu corpo, tenho um lar; na tua vida, um encontro; no teu mundo, o meu. Em você, amparo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Pelas maçãs do rosto



Escorria. Na dor, escorria. Percorria seu caminho, dançava em seu rosto, marcava sutilmente sua pele.

Escorria. Porque na dor, era sua alternativa: escorrer. Em sua confusão e divergência, era sua fuga: escorrer.

E escorria. Na dor, escorria, jorrava, vazava. É que transbordava. Era na presença do cheio do vazio que transbordava e escorria.

Escorria. E se derramava. Era o sangue de sua verdade ferida, era o ardor de sua doença disfarçada, era a falta de clareza no excesso desta, enquanto seus olhos abertos enxergavam e olhavam atentamente os cantos empoeirados não ocultos pelos tecidos esvoaçantes da alma.

Escorria. Expressava em seu rosto avermelhado características de sua alma perdida, ferida, partida, mordida, e se ardia. E então escorria.

E nesse perder-se ao encontrar-se, não se via ao se ver. Ardia, doía, a ferida, a doença, esta dor neste ser nesta vida neste cheio deste vazio. E nas peculiaridades de seus equívocos extravagantes, escorria.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Quase suicídio

Eu me desencontrei. Ou o contrário me aconteceu: eu me reencontrei comigo mesma e isto me assustou. As mudanças que eu julgava ter desenvolvido nunca aconteceram de verdade. Era só eu tentando ser quem eu gostaria de ser. Os meus medos são os mesmos, assim como a minha maneira de lidar com eles. Estive apenas disfarçada, vesti minha própria máscara e o que de pior se pode acontecer aos usuários de máscaras me aconteceu: acreditei. É, eu acreditei. Acreditei na minha própria máscara porque, de repente, eu parecia com quem eu gostaria de ser. Estava cada vez mais próxima do meu ideal de identidade até perceber que tudo não passava das mentiras que eu estava contando a mim mesma.

O que eu tinha? Ilusões. Não passavam de ilusões. Sobre mim mesma, sobre os outros, sobre o que temos em comum, o que não temos. Sou demais a minha imaginação. Esqueço de ser também a minha realidade. Transbordo nos sentimentos que me transpassam, mas não sei lidar com suas oscilações. Talvez eu entenda menos sobre sentimentos do que qualquer outra pessoa. Por isso me entrego. Por isso a eles sou tão fielmente devota. Eu os quero porque não os sei de verdade. Se os conhecesse, em mim não mais haveria interesse. E se os conhecesse, eu não seria esta confusão. Eu me confundo em mim de tão eu mesma que sou. E ser eu mesma implica as mentiras que me conto, nas quais acredito, as quais vivo quase ignorante. Eu digo quase porque não pareço ser nada completamente. Sou extremos, mas sou dos dois lados. Sou cá e acolá. Elástica que sou, só me resta voar longe quando solto os pontos.

O que há, em verdade, é uma relutância fervorosa em deixar de ser o que sempre fui. É a hesitação em caminhar outros passos adiante, virar a esquina, soltar os cabelos ao vento e sorrir seguindo, por consciência de que talvez não possa revisitar o caminho deixado para trás. Não são as migalhas de meu pão que deixo ao chão que me permitirão voltar. Não, estas me permitem apenas permanecer simbolicamente no que ficou. Mas ficou, não o terei mais. Nunca tive, talvez. O que seria possuir? O que é que temos? Temos é nada. É o nada. É o tudo. É só o que temos. Nem tempo, nós temos. Ainda assim, não queremos perdê-lo. Perco tempo se nunca o possuí? E como ganho tempo se nunca o terei?

Sei que eu peso. Às vezes me arrasto de tão pesada que estou para mim. É a vida sendo inteira, com as lembranças, e as outras vidas, e todos os encantos, os meus desprazeres, as superficialidades sem fim, todos os componentes disso que nem sei que sou, mas não deixo de ser mesmo assim. Ser é tanto. Por isso pesa.

Engraçado encarar a si mesmo. Pode acontecer de você acreditar que é tudo o que precisa ser e achar lindo. Mas você também pode se achar demais insuficiente para si mesmo. Digo engraçado porque consigo dos dois pontos a minha questão. Como posso me bastar e me ser tão insuficiente? As possibilidades, eis as culpadas. Ao ver suas possibilidades, a potencialidade de ser se inquieta dentro de si mesma: eu quero mais. E grita. Estou gritante. Quero mais disso que ainda não sou porque, quase de repente, eu não me quero mais. Não sou suficiente porque sei que posso ser mais, e exijo de mim aquilo de que sou capaz sem de fato saber se o sou. Estou sempre julgando saber que sei aquilo que perdi o poder de conhecer no momento em que acreditei que já conhecia.

Eu me sinto sangue. Eu me sinto pulsar, eu me sinto correr, eu me sinto vermelha, eu me sinto viva. Não sei pensar em sangue sem me apertar um pouco contra mim mesma. Daquele aperto que o coração dá de verdade - ou não dá, mas você sente. Mas não sei ver o sangue, e isto seria o mesmo que dizer meu medo da vida? Preciso me doar. Àqueles que precisam? Não sei. Sei que eu preciso. Percebe que sou demais para mim? Não me agüento. Preciso urgentemente me doar. Haverá quem me aceite?

Serei eu uma droga para mim mesma? Não aceito meu vício de mim, apesar de me sentir incapaz de me largar. Continuo implorando por doses de meu ser tão errado, de meus equívocos tão certos. Sou a necessidade de mudança em relutância pelo conforto que o já-sou-assim me dá. Eu quero ser um pouco diferente de mim. Eu preciso de quem não sou para me tornar o que quero ser. Será, então, neste reencontro com quem sempre fui que terei forças para me desatar do que já está em mim marcado; em mim, rearranjar-me, afinal, na busca de um encontro ainda maior – encontro comigo para me deixar de lado. Não posso mais ser as todas de mim. Preciso matar algumas. Derramar do meu sangue em nome da minha própria vida.

E agora sangro.


domingo, 3 de julho de 2011

Pra valer



- Pula?

Segurou firme sua mão, apertou-a.

- Chega mais perto de mim, vai. Me abraça.

- Eu não sei, eu não entendo.

- Pula comigo.

-
Vai doer.

- Mas vai valer.

Olhou bem fundo nos outros olhos, apertados.

- Valer o quê?

- Não sei. Sei que vale, vale sim. Vale a pena. Vale a dor. Confia em mim, vai valer. Tem valor.

- Você se joga assim, sem saber o que tem lá embaixo.

Arrepio que a imaginação provoca, encolhe-se pelo que desperta.

- Por que está de olhos fechados?

- Não quero ver.

- Tudo bem. Mas depois que você abrir, não tem mais volta, viu?

- Tenho medo.

Suspiraram.

- Eu sei. Eu tenho também.

- Você não tem medo.

- Tenho sim, tenho mais que você. Mas eu quero. Você vai pular comigo?

- Vamos continuar sentados um pouco. Pode ser?

- Um pouco.

Cheiro de brisa morna que não aquece o frio de dentro. Será que tinha sorriso? Será que tinha dor? Alegria, medo, saudade, carinho? Tinha ciúme? Tinha indecisão? Certeza? E esperança? Tinha futuro? Tinha o quê? Era fundo. Fundo demais, nem se via um fim. O medo sempre vem quando não se enxerga o fim.

- Não tem estrelas no céu.

- Você acha que se a gente mergulhar, encontra?

- Só dá pra saber se tentar.

- Para.

- Parar o quê?

- Tá me pressionando, quer fazer com que eu pule.

- Eu quero que você pule. Mas você só vem se quiser.

- Eu disse, tenho medo. Aquele medo do fim chegar de repente, pegar de surpresa e de jeito, deixar meio sem chão, meio sem ar.

Brisa morna que não aquece, que resfria o pensamento, que prende a respiração.

- Mas eu acho que vou.

- Eu vou continuar segurando sua mão. Se você tiver certeza que vai, de olhos abertos, peito estufado, a gente pula.

Houve um silêncio.

- Eu te amo.

E seus olhos enfim abertos encararam os cantos dos lábios do sorriso do outro.

- Eu sei. Eu também te amo. Estou aqui.

O medo hesita, o sentimento mergulha.

- Eu estou pronto.

- Eu estou aqui com você. Quer mesmo?

- Você está comigo. Eu quero.

Procuravam fôlego. Agora era pra valer.

- Eu quero pular olhando pra você.

- Eu te olho também.

- Segura firme de verdade.

Houve aquele respirar fundo de quem reúne coragem para se entregar. E houve entrega. Houve mergulho. Mergulharam, quase sem fôlego, encarando um ao outro em sua entrega. Ao redor, parecia nada haver. O mundo era o mergulho neste mundo que se apresentava ali, à frente, no mais profundo do olho do outro. Pularam sem pensar no fim, ignorando o medo da surpresa de sua chegada, na vã esperança de que nunca viesse. Pularam. Pra valer. Porque tinha valor. Nada mais.

- Vai ficar comigo?

- Até o fim.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Acúmulo



Desaprendi, pensei. E foi aí que me ocorreu que só é possível se desaprender aquilo que um dia se soube, e me corrigi pensando o mais humildemente que pude: não sei, nunca soube e acho que nunca saberei. Os laços que se criam não se desfazem dentro de mim. A imagem das fitas que um dia estiveram entrelaçadas em laço permanece guardada em algum lugar aqui dentro, lugar perdido, escondido mesmo, que se eu achasse poderia até me ater a desfazê-las, mas é nesse mistério onde se encontra que se mantém intocável.

Você vive e tudo que é vivido se desenha em sua pele, marcado a fogo, até queima, e nada se pode fazer, apenas sente as cicatrizes se formando, se é que um dia se completam, e sente as marcas se fazendo e tanto pesando, embora permaneçam insuspeitadas para quem vê – quem na verdade não vê, quero dizer. Porque ninguém vê as marcas do outro. Sentimos as nossas incomodar, mas as de outrem só nos são ditas – ninguém as vê. O máximo que podemos fazer é reproduzir um pouco do que nos é contado, mas só sente e vê quem sentiu e viu, ninguém mais.

Cá estou, minhas marcas pesando. Passado pesa, é verdade. Mas desaprendi – perdão, corrijo-me novamente – nunca soube me livrar do fui. Eu sou tantas e tanto, eu me peso de ser, embora não saiba ao certo como deixar de ser. Não sei bem desentrelaçar o já entrelaçado. Sou acúmulo. Eu me atenho a tudo o que um dia supus me pertencer e, no momento em que me percebo livre, encontro-me em desespero pois não sei me desapegar. Não sou pessoa que se livra. Sou uma liberdade acorrentada.

Veja bem, há futuro que nos espera, não é isso que dizem? Sim, sim, é o que dizem. Mas dizem muitas coisas. Dizem muito, mas como se faz? Também dizem que a vida ensina. Mas a vida lá é coisa capaz de ensinar? Não seríamos nós mesmos que vamos nos aprendendo e nos ensinando? Porque estamos vivos. E aí temos essa ilusão de que vida é coisa material capaz de conjugar tais verbos. Só que não sei me ensinar. Tenho atado minhas mãos impedindo-as de metaforicamente fazer o que seria melhor para mim. O “melhor para mim” no sentido de mentira-que-me-confortará, mentira-que-me-permitirá-sobreviver. Precisamos dessas mentiras, sim.

O que sei é que alguns lugares me mergulham num passado com o qual já havia aprendido a conviver. Alguns lugares me puxam de volta para o que já soube contornar. E será que soube?

Sei é que quero aprender comigo o que desaprendi, o que nunca nitidamente soube. Não sei o que é possível, mas só se sabe quando se experimenta. A experiência nos diz possibilidades, e as possibilidades nos trazem experiência. Preciso tentar. Tentar ser um pouco menos eu para chegar mais perto de mim. Estou tão distante. O passado me deixou distante de mim. Não quero essas distâncias. Não de quem me tem tão perto, que sou eu mesma. Estou perto demais de mim para me permitir afastamento. Viu só? Não sei desapegar, eu pego mesmo. Não sei me livrar, estou sempre me atendo. Não consigo deixar para lá, trago tudo pra cá. Não me afasto nem de mim mesma.

Sou um ímã em minha vida. Atraio tudo o que fui, o que quis, o que tive e transformo em quem sou, no que quero e imagino ter. Vou me enchendo de tudo. Trago tudo, pego tudo, atraio tudo – tudo tudo tudo.

Escrevo porque um dia sei que eu transbordo. Tenho medo, mas sei que transbordo. E no que se derramar no chão, acabarei por me perder. Por isso escrevo. Quando estiver vazia, quero saber que já estive cheia. E nessa esperança, quem sabe, me recompor (ou por completo me desfazer).


segunda-feira, 6 de junho de 2011

Risco do ser

Eu sou assim, tantas oscilações. Eu me dôo por desejar. Dôo de me doer, dôo de me doar. Sou verdadeira desintegração; é que me sou inteira um incompleto, um incerto, um passo tão perto do interno que se dá não se dando. Mas eu me dou – não sei se a algo ou se a alguém, sei que minha não sou. Eu me entrego ao indeterminado e desconhecido.

Só estou segura de que não tenho segurança, de que sou perigo. Sou meu perigo. Preciso atentar silenciosa e fatalmente pois eu sou um risco para mim. Sou a tendência ao erro intuindo o acerto. Intuo, sou minha intuição. Eu me encontro no que pressinto e no que sinto é que me desencontro.

Sensibilidade que se contrai no não-ser quase sendo das coisas. Se me compreendes, estás perdido. Não te aches – me encontre. Quero cuidado. Sensibilidade que busca sensação é sensibilidade comum, também me quero em percepção. Perceba-me.

A ameaça que sou me põe contra a parede. Mãos ao alto, estou sem saída. Perdi minhas portas, guardei minhas chaves e me escondi do lado de fora. E sempre volto.

Não agrado e não me desagrado. Agradável mesmo é ser sem se saber sendo. Sou e me sei ser e me desmonto na consciência que me aprisiona. Decerto, meus perigos me agradam – nem me protejo. Sou barreira para a perfeição. Eu me quero em meus defeitos, eu me perturbo e me aprendo. Não sou apreendida.

Confusão que sou confunde quem não me é; confunde-me que sou; confunde. Nos paradoxos do meu ser, eu desaprendo quem sou, eu me desapego de mim, eu me desfaço do eu. E é assim que a mim me atenho e inevitável e perigosamente sou.



sexta-feira, 27 de maio de 2011

L'automne


Sou feito criança: tenho medo de tudo e me escondo no desejo de ser. Desejo que pouco realizo, só penso, só sinto, só entendo e repito lá dentro: eu quero, eu quero, eu quero. E de tanto querer, até me esqueço de viver o que nasce em minha vontade. Sou tantas distâncias.

Tento me explicar para mim e a cada tentativa me aprofundo numa esperança logo destruída pela surpresa que é ser quem sou. Sou surpresa, não me espero. Se espero, é aí que me decepciono com o meu mim.

Eu me perco no que quero ser - não sei o que sou. Exijo demais de mim ao tentar me achar. Fujo de um eu, alcanço outro: mutação que me faz desencontrar orientações. Que caminho tomar não sei, que direção seguir desconheço. Desconheço muito, conheço muito pouco, mas o muito está sempre presente. Não sei ser pouco.

Não há muito que eu saiba ser, no entanto. Sei ser eu e me falta conserto: me desconcerto de mim. Sou dessa loucura minha pouca sanidade. Sou desse pouco o meu muito. Sou dessas vidas a mais indecifrável. Não compreendo bem, mas compreendo um quase bastante. Vê? Um quase.

Sou quase. Muitos quases. É que criança enxerga possibilidades, criança não sabe ao certo o que escolher. Criança sou eu, incerta na posição de ser, na dúvida sobre como estar, crente apenas do que sente possível. Sou criança, e, no meu medo de crescer, já amadureci muitos frutos-ideias. Mas é que nunca caíram, nem o outono me retira as folhas.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Pesadas cicatrizes

"Você mataria seu passado para salvar suas marcas em mim?" Pronunciou em sussurro contra o vento leve que atingia seu rosto. Se o vento levaria as palavras aos ouvidos certos, era a dúvida que não esperava dissolver. Há tempos seu desejo de resolução do tudo havia amenizado. Sua necessidade de esclarecer o que lhe parecia obscuro era, agora, se não uma quase inutilidade dos curiosos, um desejo que aceitaria rejeitado. Mas lá dentro sabia que inútil não era, apenas doloroso - portanto útil se permanecesse oculto, embora ainda de maior utilidade uma vez descoberto e compreendido.

As cicatrizes que jaziam em sua pele eram insuficientes. Apesar de toda a dor que causaram, desejava mais. Ansiava por mais - não pela dor, sim pela sensação cravada em sua pele de vida aproveitada, de vida usufruída, de vida vivida, respirada, sentida, vida entregue. Dessa entrega, não se encontra mais. Porque, em sua entrega solitária, não haveria compensação. Quem se entregasse, nesse mundo, era raridade. Dessa entrega, poucos sofriam - poucos sabiam se entregar.

O que queria estava além do que os olhos de outros eram capazes de alcançar. Um horizonte transcendente, um além quase invisível, pouco peceptível, dificilmente encontrado. Sofria a espera de algo que não sabia nomear, embora sentisse com tamanha intensidade que sabia existente, vivo, possível.

Todos tinham seu passado cruel e avassalador. Todos se mantinham em sua bolha protetora, incapazes de se abrir ao mundo que lá fora jazia brilhante e inabitado. Todos evitavam entrega, todos evitavam encontro. Sozinha, evitava ser todos, ignorava os valores de segurança e preservação, estudava maneiras de se encontrar e se perceber em intensidades, buscava um sozinho que buscava entrega.

Mas passados dolorosos impedem entregas - todos tinham seu passado, todos tinham passado, enfim, ninguém ficou. Sozinha ficou. Com sua maluquice, sua ideia absurda de entrega, de encontro, de fuga, de desprotegida intensidade. Sozinha ficou. Em seus desejos, em suas esperas, seus desencontros. Sozinha ficou; tudo porque ninguém desejava verdade, todos queriam mentira protetora, nada de verdade desconcertante, nada de verdade insensata, inconsequente, não, nada disso, queriam mentira que acalenta, engana e ameniza, nada de verdade... Por tanta falta, sozinha ficou, e quase adormeceu. Porque passado que pesa não dá futuro.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Café e seus implícitos


Uma xícara de café era tudo que tinha à sua frente, pensou. Logo em seguida, no entanto,  percebeu a relatividade de sua afirmação. Havia a parede, havia o ar, havia a mesa sob a xícara. Havia seus chinelos no chão, havia um mosquito por ali pairando. Havia muito à sua frente, ainda que, a primeiro momento, tudo o que pôde enxergar tenha sido a xícara de café.

Se aplicado à realidade, era como as coisas funcionavam. O óbvio: era a que se agarravam as pessoas. Coisas invisíveis, como o ar que lhe separava da parede suja, tinham sua existência ignorada. No decorrer dos dias, os valores eram dados ao que se tinha em prontidão, ao exato e evidente, nada era reservado ao implícito, ao inconstante e efêmero.

Entendeu, então, que a verdade residia nas situações mais simples, menos perceptíveis, por isso poucos sabiam enxergá-la. Seu desejo se tornou viver a simplicidade que se esconde, embora não soubesse onde poderia encontrar alguém que se dispusesse a acompanhá-lo nessa descoberta do mínimo.

Imaginou-se na calada da noite, com suas pernas entrelaçadas em outras pernas, seus cabelos embaraçados em outros cabelos, sua respiração misturada a outra respiração. O abraço, a confidência, a intimidade. O simples presente em uma visão, a verdade encontrada em sua imaginação.

Viu-se sorrindo abertamente uma alegria sincera, olhos que lhe diriam um mundo singular e extraordinário, as maçãs de um rosto doce encostadas em seu ombro. Soube onde teria verdade, soube onde mergulharia no simples e, no mergulho, acharia um modo de ser ele mesmo e viver o real no íntimo.

Por um momento, sentiu como se alguém pudesse senti-lo e vivê-lo em sua sutileza. Sentiu seus anseios como possibilidades. "Mas a vida não é como a gente quer: entre o sonho e a realidade, existe um anjo mau que resiste ao nosso desejo." Tomou os últimos goles de café junto a sua fúnebre recém nascida esperança.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Se se ser se é


Sou contraditória em tudo que sou. Alcanço ambas as extremidades, mas me recuso a intermediar. Não nasci para o equilíbrio: sou inteira exageros. Os excessos que fazem de mim meu verdadeiro eu. É a falta de controle que me deixa livre justamente para me libertar.
A confusão que se remexe em mim é meu caminho à autocompreensão. Organização me bagunça. Preciso do desposicionado para me encontrar em minha verdade. Com o que todos não compreendem, eu me identifico e à sua complexidade me entrego. Sou entrega.
Não sei ser o que é e sempre será. Sou o constantemente mutável e irregular, a mudança, a verdade do efêmero, a incerteza do eterno, o falso da ilusão. Não sei ser o determinado, as regras, os valores sociais, aquilo em que todos se encaixam. Sou demais divergente, de diversas formas incoerente, para me dispor ao que se vê. Não sou o visto.
Sou o acanhado e o espontâneo, o incontrolável que em algum momento se retém, o falante que cala, o disperso que atenta, a dor em que se banqueteia. Sou tudo o que não sabem que sou, sou pouco do que julgam que eu seja. Mas sou. A certeza é que sou.
E de onde vem essa sensação de ser? Esse sentido de existir? Essa verdade em respirar? A certeza é que sou. Sei que sou, mas não sei como trançar o intrínseco nem como desvelar o não revelado.
Sou contraditória em tudo que vivo. Sou o oposto do que me é e a essência do que não sei que sou. Sou confusão que não se compreende senão ao não ser compreendida. Sou o nada que não se enxerga e o tudo que pensam ver. A certeza é que sou, todo o resto pode não ser mais.


sábado, 16 de abril de 2011

Sonha, Carolina


Seu nome era Carolina. Sorria alegrias e tristezas, abraçava o mundo com destreza, e seus olhos profundos e misteriosos guardavam a dor do mundo todo. Carolina amava, e chorava o amor que não mais aparecia na janela para contemplar seus cachos, despertar-lhe suspiros, florescendo aquele sentimento que ninguém explica muito bem.

Passeava sozinha pelas ruas, à procura de um caminho que a fizesse ser um pouco mais ela mesma, um caminho que lhe entregasse à compreensão e a fizesse perceber as respostas que tanto procurava. Carolina era amor, uma estrela que se erguia buscando emitir luz.

Seus amigos não compreendiam sua profundeza e intensidade. De tanto que Carolina era, ninguém parecia entender o que era ser Carolina. Todos procuravam tirá-la de seus sonhos, capturá-la para o mundo de todos, mas ela só queria seu próprio mundo.

 - Carolina, volte à realidade, menina, deixe de suas ilusões, corre atrás de viver.

O que as pessoas não entendiam é que Carolina tinha sua maneira toda singular de viver, e era essa: seus sonhos eram sua vida. Ao debruçar-se na janela, o mundo que criava era a vida que desfrutava. Tudo observava, menos as obviedades às quais todos se prendiam.

Ah, Carolina, se metade de teus sonhos fossem realidade, como seria tua vida? Ela não sabia, nem queria saber. Às vezes sentia algo assim que lhe dizia: "Sonha, menina, que é nos teus sonhos que podes ser feliz. Realidade é chato, e uma vez realidade, a satisfação de sonhar se desfaz. Sonha, menina, que a vida é mais completa quando se sonha".

Tudo morria, tudo se desfazia... e Carolina em seus sonhos ainda vivia.

Mas sonhos também terminam. Sonhos também não são, apesar de serem. E mesmo que Carolina se abrigasse em sua farsa encantada, a realidade chama. A realidade pede, exige. Embora se recusasse a comparecer, todos sabiam e a alertavam:

- Carolina, menina ingênua, um dia a realidade há de te pegar de jeito, e sem jeito tu ficarás. Acorda, menina, acorda!

Mas Carolina nada ouvia. Apoiava-se na janela, jogava os cachos pro lado e suspirava, ignorando o peso do tempo que passa e logo ressurge em arrependimento. Ah, Carolina, quando teus olhos finalmente abrirem, tua vida terá passado e o tecido áspero daquilo que deixastes de fazer arranhará sem dó tua pele e sem sorriso e encanto teus olhos profundos e misteriosos pesarão.

Como era doloroso o que estava por vir! E todos notaram, só Carolina não viu.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Alusão à ilusão


A mentira que evito é a mesma que me alimenta. Não aprendi a conciliar valores ao desejo de ser feliz. Quero estar feliz. E não, não sou infeliz. Há tempos perdi essa prática - a de sofrer incomensuravelmente. Mas não sinto falta pois ainda sei me encontrar.

Eu quero tanto a verdade no sentimento que, sabendo sua raridade, fico assim sem significar a esperança. Porque não pareço agradar ninguém além de mim mesma. Não sei ser o que agrada - sei apenas ser o que me foge e se desenha fora de mim. E a mentira? A mentira acalenta os medos, angústias, crises. Mentira parece tão bom. Por isso mente-se e mentem-se todos e sempre. Porque mentira é conforto, mentira é o desejo.

Enquanto o falso está aí para nos preencher os olhos com sensações vazias, embora cheias de uma alegria quase real, o verdadeiro dói, faz cair, desilude. Mas é no verdadeiro que tenho real interesse. A mentira acaba, o falso se desfaz, o ilusório é temporário... Quero o verdadeiro em minha realidade para que possa ser desfeito de maneira a ter meu peito carregado de lembranças com verdade. Verdades no peito, eu quero sim.

Estou na fase dos desejos. E vem o desejo de escolher. Da mentira, estou cheia. De fantasias, minha memória está congestiada. Do fácil, eu não tenho provas. Mas quero do simples e complexo o seu máximo. Eu quero a chance de verdadeiro na oportunidade que o falso me oferece. O que eu quero, então, é amor. Que de maior verdade possui sua complexidade e oposição.

Eu quero, então, o amor em sua demonstração. Quero sua dedicação e apoio, sua intensidade e sutileza, suas palavras e aparições. Quero o amor em sua verdade para esquecer a beleza em que o falso se mostra. Porque não sei agradar e perco a esperança. Mas quero um sol pintado em colorido na janela - um sol ilusório que a verdade do amor me fará enxergar.

domingo, 27 de março de 2011

Muito, muito

Eu quero muito muito muito um pouquinho de alguém. Tenho me desprendido tanto que sinto falta do apego. Estou a fim de sentir. Quero aquela afinidade, boas gargalhadas e abraço de corpo colado. Falta de sono e excesso de bobagens.

Eu quero entrega, sutileza, intensidade, empatia. Mais sorvete, menos juízo. Música, sorrisos, afeto, interação. Intimidade, chocolate, cheirinhos, tempestade na janela, olho no olho, pele sob pele. Eu quero o simples, eu quero o pouco. Mas quero muito.

Quero sentir ser humano. Quero evitar meus enganos. Quero mergulhar com tudo, quero molhar meu mundo. Quero brisar com o vento. Cantar para o tempo. Compor um desejo, alimentar um momento. Quero fincar meus passos, quero participar de laços.

Sei que preciso de espaço, mas também espero uns amassos. Não sou demais paradoxal, mas assim são meus desejos. Sou, enfim, muitos deles; sou, enfim, muita vontade. Sou, assim, poucas verdades. Sendo assim, quero coragem.

É que eu quero muito muito ser de alguém que seja de mim. Eu quero muito muito sorrir o que me escapa. Eu quero muito muito viver o que se libera. E desejo muito muito ser feliz assim.

sábado, 12 de março de 2011

Desconhecido

Eis minha desordem, meu embaraço, minha loucura. Pensas que não faço sentido, que não sei o que sou ou que o que sou está fora do normal. Devo concordar. Faço sentido algum. Quando penso saber quem sou, mais mistérios se apresentam. Normal surge no meu vocabulário para designar o que é diferente de mim.

Eu sou isso aqui, só isso. Que não é pouco, é demais. Transbordo insuficiência, sou isenta de ausências - já que mesmo as tais preenchem grandes espaços e são cheias de um algo que eu nunca soube o que é. Mas é, está aqui e eu o sinto, esse algo meio sem sentido que faz todo sentido para quem o sente.

Eu sou e não estou em qualquer coisa que você já viu. Eu estou e não sou nada que você espera. Não espere de mim, aliás. Aguarde, apenas. Tente descobrir um pouco de mim enquanto descubro você. Mas logo aviso: posso não ser sempre compreensível. Não sou difícil, apenas incoerente.

Eu sou esta confusão. Basta que esteja disposto a recusar o padrão. Basta que queira conhecer um pouco do esquisito, do desconexo. Basta que possa sentar ao meu lado e não sentir que deveria estar em qualquer outro lugar.

Eu sou desordem. Sou loucura, sou embaraço. Sou confusão. Eu sou o que normalmente não são. Sou o que você não pensou que veria.

Sou o desconhecido e o prazer pode ser nosso.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Mais vida

Estou bem. Não sei o que eu quero. E é por isso que vou ficar melhor com o que vier, seja o que for. É, cansei de me limitar. Cansei de definir. Cansei de classificar. Vou esperar, então. Aguardar a vida chegar devagarzinho na porta sussurrando que quer entrar. Aguardar que o silêncio que de súbito surge em mim se converta um dia em palavras de afeto. Aguardar sutileza, um pouco mais de verdade.

Aquela história de deixar a vida acontecer, que é pra lá de difícil de se fazer: eu vou tentar. Vou sentar no cantinho e pensar em mim mesma. Vou me dedicar a quem há tanto não se dedica a mim. Tenho estado tanto para outros que preciso com urgência sentar ao meu lado e me fazer cafuné. Tenho me doado tanto, cedido tanto de mim, que demorei a perceber como me sobrava pouco.

Não quero me permitir as migalhas da minha dedicação. Não quero me sentir vazia por estar tão cheia. E vou, vou ficar cheia sim: de amor pra me dar, de sorrisos pra me enfeitar,  de alegrias pra me consumir, de desejos para me recriar.

Tenho sentido a minha falta - e só percebi quando me reencontrei. Tô buscando sim muita vida pra viver. E tô muito a fim sim. De quê? Isso é que eu não sei. Sei que tô a fim, tô muito bem super a fim de mim.

Eu não sei o que eu quero, mas vou me deixar querer. Vou aceitar o que vier. Tô pronta pra vida. Se eu tenho certeza disso? E quem liga? Quero mais é descobrir.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O que há por dentro

Era lá dentro. E apertava e a fazia encolher-se toda de tanto que era encolhido o dentro. Tornava-se pequeno e doía, porque lhe faltava espaço. Buscava um porto de chegada, um lugar onde pudesse se encontrar ou - e talvez isso descreva melhor - onde pudessem encontrá-la, onde pudessem tê-la no colo e oferecer-lhe carinho, companhia e palavras. Buscava onde pudesse despejar seu interior, o dentro que se encolhia bem apertado. Mas por todo lugar que procurava, não via. Havia só o que sempre esteve lá, mas não lhe era estendida uma mão, não lhe era roubado um abraço, não buscavam suas perguntas nem lhe supunham respostas. Havia apenas o que sempre estivera lá, agora um tanto empoeirado e sem trato. E era disso que precisava. De um trato, de um cuidado morno que lhe oferecesse paz e segurança, qualquer coisa assim capaz de curar um interior ferido e confuso.

Pareceria desesperado demais gritar “Precisa-se de atenção”? Soaria inseguro demais declarar “Estou perdida”? Seria duro demais dizer a si mesma “Você está sozinha”? Porque, por mais que as respostas lhe faltassem, deveria haver alguém para partilhar sua falta de senso. Alguém disposto a recolher seus medos e joguinhos mentais, amassá-los com força e mantê-los o mais distante possível, pelo máximo de tempo que pudesse. Por se importar, apenas. Por querer seu bem.

Mas o que estava lá dentro encontrava-se machucado e também havia nela essa necessidade de curar suas feridas todas para que se pusesse capaz de se machucar novamente. Novas cicatrizes, talvez - mas nem ela sabia. Nem ela saberia dizer o que estava se passando ao seu redor pois estava muito concentrada em capturar uma imagem qualquer de segurança, de preocupação, um sinal de companhia, não qualquer coisa assim meio como amar, mas o amor em si. Ela só queria um alguém que desejasse o seu lado pelo máximo de tempo em sua vida, não quem se sentisse comprometido com ele. Seria capaz de encontrar algo assim ali, ao seu redor, que sempre esteve tão fechado e indisposto a novos inquilinos? Isso seria se arrepender: perceber que impediu a verdade de entrar e então desejar que ela venha?

Nada sabia. Mas sabia que queria encontro. Que queria respostas. Que queria companhia, que queria palavras e que queria alguém. Sabia o que queria. Mas sabia que querer, nem na mais remota possibilidade, significa o dever de possuir o que se deseja. Sabia disso, sempre soube. Nunca aceitou.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Introspecto

Basta uma mudança drástica de humor para que algo dentro de mim desperte e crie algo a dizer. Nem tudo o que tenho a dizer é legítimo. Há muito que me escapa pela dor. A dor não é confiável quando ilusória. E, por vezes, eu crio a minha dor - nela não posso confiar.

Sou tantas portas que sempre esqueço por qual entrei. Acabo decidindo sair por outra que me leva a um lugar completamente novo. Preciso me esforçar para sempre me recriar e às minhas maneiras de lidar com o ambiente, com todas essas saídas sem avisos e mesmo as vezes em que todas se perdem e me resta apenas a instrospecção.

É disso que é feito o meu amadurecimento, ou seja lá como posso chamar crescer a pessoa que sou, não o corpo que me carrega. É disso que são feitas minhas angústias e, logo a seguir, as respostas efêmeras para as dores anteriores. É disso que sou feito, afinal. É como me formo, como me desenvolvo, quando me descubro: na minha introspecção. Ao estar só para mim, eu me recrio para os outros. Logo não sou a mesma que era antes de mergulhar em quem sou e no que me deixa meio dormente.

De vez em quando, eu sou apenas um lago. Em minha introspecção, logo me transformo em oceano, salgada e profunda, extensa demais, impossível de ser explorada em seu todo.

Difícil é para quem tenta navegar quando a maré está feroz e impiedosa. São as tempestades que disso me fazem. Os trovões, relâmpagos, o desespero. Se fosse capaz de avisá-los para manter distância, eu o faria. Mas em minha instrospecção é que mais preciso de navegadores, de marinheiros, daqueles dispostos a tentar desvendar os segredos que insistem em se ocultar.

Instrospecção é mergulho. É ser tanto você mesmo que se deixa de aturar naturalmente quaisquer outros. É sinônimo de busca por identidade, apesar de todo o medo e insegurança. Preciso da minha introspecção para me consertar quando tudo se quebra e não há solução óbvia. E essa é a minha solução, a minha maneira de ser efêmera. O meu escape. Pois apenas na minha busca por mim mesma é que sou capaz de me encontrar.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Intensos nós

Eu quero ter você. Um pouco mais completamente, mais inteiramente, mais de corpo e alma. Eu quero sentir a sensação de você em mim, de unificação, enfim dois corpos que ocupam o mesmo espaço, desafiando as leis da física.

O mais difícil é sentir a distância entre nós, que apesar de não separar o que cá dentro sentimos, não nos deixa perto o bastante para saborear o toque, preencher vazios, elevar taxas hormonais. O que não me impede de querer você cada vez mais.

Quero nós no vai e vem ofegante de quem se entrega, e se permite, e ama o outro com tudo o que pode, e vive o momento através de cada inspiração. Eu quero nós no mais que podemos compartilhar. Nós assim, entrelaçados feito nós.

Quero sentir os lençóis atrapalhando o roçar de nossas pernas. Quero uma mecha de cabelo colada a suor na testa, mãos deslizando indecentemente por meu corpo inteiro. Quero ouvir quando você não conseguir segurar o fôlego, sentir quando perder as forças e quiser relaxar. Quero seus lábios explorando a minha pele.

Eu quero acordar com o sol em meu rosto e me perceber enroscada nos cobertores, enroscada em você. Quero sorrir ao perceber. Quero beijar sua testa, sorrir e preparar torradas.

Eu só quero entrega, o que é doce, o que é completo, o que se tem de mais intenso. Eu só quero você, ter você, sentir você, ir um pouco além, viver essa ilusão que é sentir que você é meu. De uma vez por todas, todo meu. O que eu quero é o entrelaçado da palavra nós.