sábado, 16 de fevereiro de 2008

Os Pedaços de um Coração


Meu coração começou a desmanchar tão de repente que não tive tempo suficiente para segurar os pedaços que caiam à minha frente até chegar ao solo. Sentei-me próxima aos pedaços caídos e logo fiquei a observar como cada um se encaixava no outro tão perfeitamente. Porém eu pude notar que havia um pedaço faltando ali, e notei com facilidade pois o pedaço não era, nem que mal observado, pequeno.
Toquei o espaço que estava faltando uma parte de meu coração, e ao fazer isso senti algo no meu peito. Algo como uma dor. Pus a mão sobre o buraco que eu havia acabado de perceber que faltava lá.
Alguma coisa me transpassou pelo corpo de forma inexplicável e sem capacidade de entendimento, mas eu pude sentir que era real. Não era bom, mas era real. Acho que era algum tipo de sentimento me invadindo. Um sentimento desconhecido.
Não me sentia bem com aquilo dentro de mim. Parecia-me com angústia. Ou quem sabe, decepção. Mas eu poderia chamar também de raiva. Era uma incógnita, mas eu não queria decifrar.
Meus olhos fechados. Talvez pela forte dor que me invadiu e tornou como impulso o fechar de meus olhos, talvez porque todos aqueles meus sentimentos pedissem que eu os fechasse. Mas era como se eles permanecessem abertos, porque eu senti uma outra presença naquele local que eu não sabia onde era. Outra pessoa estava ali comigo, eu só não a via.
Fui abrindo os meus olhos não tão facilmente. Havia olhos me observando. Olhos que pareciam não ver, observavam apenas.
Sob aqueles olhos bonitos, havia um belo e cauteloso sorriso. Seja quem fosse que estivesse junto a mim naquele momento, tinha belos olhos e um sorriso encantador.
Quando finalmente pude abrir meus olhos completamente, notei que era uma mulher. Aparentava ter bastante experiência, porém tinha um ar jovem que lhe tornava ainda mais bela. Como se ela já tivesse tido muitas decepções ao longo da vida, mas o fato de estar viva, ter passado por tudo e ainda manter a esperança e a alegria em si tornasse-a uma vencedora.
Fiquei observando por um tempo como ela me contemplava. Sorri também. Em tentativa de passar a ela a mesma segurança que ela estava me fazendo sentir.
Porém esse bem-estar que ela me fez sentir durou pouco. Durou apenas até que eu pudesse notar que ali no chão jazia um coração despedaçado. O meu coração, todo despedaçado.
Logo pude sentir que as lágrimas que eu não derramava havia tempos estavam ali novamente, caindo descompassadamente. Tornaram-se soluços.
A mulher não sorria mais, havia percebido a cena. Certamente percebeu o que eu estava sentindo também, porque de acordo com que meus soluços e lágrimas iam aumentando ela parecia ficar triste.
Ela tocou em minha mão. E ao fazer, despertou-me a vontade de abraçá-la, mesmo sem conhecê-la realmente. Não o fiz. Talvez por medo. Porém acho que não, algo nos separava.
Eu não estava mais chorando. Ainda havia lágrimas que não tinham acabado de escorrer pelo meu rosto, mas o meu desespero não estava mais presente. Quase sorri ao vê-la me observar tão profundamente sem ter nenhuma reação.
Ela soltou a minha mão de leve, após um tempo me observando. Fez um sinal para que eu olhasse para o meu coração ali partido no chão. Só pude fazê-lo porque ela me transmitia segurança. Aquele coração me mostrava o que eu preferia não ver. Coisas boas, que se tornavam ruins por não serem mais presentes em minha vida.
Quando baixei o olhar para um dos pedaços, ele estava sendo reajustado ao outro pedaço partido ao lado. Logo, a mulher tocou em outro pedaço e o arrastou para próximo do que tinha acabado de montar, muito lentamente. Acho que no final ela pretendia junta-lo inteiramente.
Parecia-me uma tentativa em meio ao vão. Um pedaço ali faltava. Um pedaço que eu não sabia sua verdadeira localização nesse momento, porém sabia onde ele estava. Onde deveria estar.
Continuei observando até que ela pôde juntar todos os pedaços. Ainda faltava um pedaço ali. Como ele bateria novamente sem o pedaço que lhe faltava? Não questionei para que ela pudesse ouvir, só para meu próprio pensamento.
Vi quando ela colocou o coração no espaço vazio dentro do meu peito. Toda a dor que eu sentia estava amenizada. Não por completo.
Olhei-a, e antes que pudesse agradecer, ela me disse:
- Este pedaço será reconstituído com o tempo. Não tenha pressa. A vida trata dos nossos vazios de tal maneira que nem nós mesmos faríamos.
Emocionei-me com aquelas palavras. Eram bonitas. Sábias.
Toquei no local em que meu coração havia acabado de ser recolocado por uma desconhecida sábia, e sorri. Abracei-a. Sem medo, dessa vez.
Levantei-me e saí. Agradecendo-a por tudo que havia me feito, apenas em pensamento. Ela só me observava afastar-se, pulando e segurando nas mãos a esperança de que tudo mudaria.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Solitude


A sala estava vazia, exceto pela pequena e doce garotinha sentada no canto. Ela não entendia o mundo, por isso chorava desesperada, procurando respostas para perguntas não-formuladas. Só o que podia sentir era o cheiro de hortelã vindo do lado de fora da porta.
Era um cheiro agradável e atraente. Talvez ela pudesse verificar o que havia por trás daquela porta marrom, com traços antigos e escuros, porém o medo estava ao seu lado. E se encontrasse algo ruim para si? Se houvesse terror por trás daquela porta?
As respostas não vinham. A luz também não. A única brecha de claridade estava distante, no teto acima da porta.
A amável menina agarrou o urso de pelúcia que trazia consigo, deixando cair do pescoço peludo dele o laço cor-de-rosa. Olhou fixamente o laço caído ao chão e soltou o urso, ao mesmo tempo que puxava o laço para perto de seus olhos, analisando seu nó. Talvez o mundo fosse um laço, pensou consigo mesma.
Tão enrolado, porém bem trançado. Confuso. Bonito.
Desatou o nó, na tentativa de desvendar os mistérios do mundo, da vida. Evidentemente não descobriu nada. Não chorava mais, entretanto seus olhos ainda cintilavam as lágrimas derramadas.
Deitou-se encolhida. Sentiu frio, e desejou ter um cobertor próximo ali. Mas a garotinha não o procuraria, havia medo sobre ela. Medo do que mais pudesse haver naquele quartinho escuro.
Logo ela desejou novamente saber o que havia por trás daquela porta. O que havia lá que a fazia ter medo? Ela não sabia, e tinha medo de saber.
Sem perceber, suas mãos se movimentaram. Tocaram sua própria face como se fosse a de um desconhecido. Será que ela mesmo teria se trancado ali ou o mundo a expulsou dele?, pensava consigo.
De súbito, sentou-se. Olhou ao redor, tentando enxergar algo. Agora, o quarto parecia um pouco mais claro, não o suficiente para deixa-la enxergar completamente, sem dúvida alguma.
Fechou os olhos levemente, seu queixo quase tocando o busto. Abriu as mãos e se abraçou fortemente, esperando sentir algo especial. Sorriu, pela primeira vez em muito tempo.
Sua risada ecoou pelo quartinho vazio e sem luz, fazendo-a parar assustada. Quem está aí?, perguntou em voz alta. Ouviu as suas próprias palavras soarem mais algumas vezes. Sentiu-se aterrorizada novamente, pensou no mundo.
Em algum momento ela saberia que mistério havia atrás da porta? Em algum momento lhe mostrariam os segredos da vida? Quais eram esses segredos? Quem os tinha? Por quê tudo vazio?
De repente a resposta para uma de suas perguntas veio à sua cabeça. Ela não descobriria nada se não atravessasse aquela porta. Ela não saberia os segredos que a esperavam do outro lado. Não mataria sua curiosidade se não espantasse o medo. Jamais seria respondida se não buscasse de fato saber as respostas.
Ficou de pé. Ao tentar ir em direção à porta, cambaleou e caiu. Chorou, sentiu suas esperanças se esvaindo. Começou a soluçar, sentindo-se um fracasso, achando-se uma inútil, incapaz. Suas lágrimas cessaram no instante em que o cheirinho de hortelã veio com mais força. Ouviu um barulho mais parecido com melodia.
Sorriu. Dessa vez não teve medo quando sua própria risada ecoou pelo quarto. Agora ele parecia evidentemente mais claro.
Ela caiu, mas e daí? Poderia se levantar, não poderia?
Agora sua vontade de atravessar a porta e descobrir de onde vinha aquele delicioso aroma e a sinfonia melodiosa era muito maior, muito incontrolável.
Levantou, ainda sorrindo. Caminhou até próximo da porta. Quando seus dedos encostaram no trinco da porta, seu coração acelerou. Giraram devagar. Finalmente. Finalmente saberia de tudo. Finalmente suas dúvidas seriam esclarecidas.
Abriu a porta muito lentamente. Uma forte luz veio rapidamente. Seus olhos brilharam, seu sorriso ainda mais abertamente irradiava, seu coração disparado.
Era ali o seu lugar. Era ali a sua felicidade. Era ali o fim do mistério que lhe atormentara tão profundamente. Era ali. O lugar. As respostas.
A luz.