sexta-feira, 22 de abril de 2011

Se se ser se é


Sou contraditória em tudo que sou. Alcanço ambas as extremidades, mas me recuso a intermediar. Não nasci para o equilíbrio: sou inteira exageros. Os excessos que fazem de mim meu verdadeiro eu. É a falta de controle que me deixa livre justamente para me libertar.
A confusão que se remexe em mim é meu caminho à autocompreensão. Organização me bagunça. Preciso do desposicionado para me encontrar em minha verdade. Com o que todos não compreendem, eu me identifico e à sua complexidade me entrego. Sou entrega.
Não sei ser o que é e sempre será. Sou o constantemente mutável e irregular, a mudança, a verdade do efêmero, a incerteza do eterno, o falso da ilusão. Não sei ser o determinado, as regras, os valores sociais, aquilo em que todos se encaixam. Sou demais divergente, de diversas formas incoerente, para me dispor ao que se vê. Não sou o visto.
Sou o acanhado e o espontâneo, o incontrolável que em algum momento se retém, o falante que cala, o disperso que atenta, a dor em que se banqueteia. Sou tudo o que não sabem que sou, sou pouco do que julgam que eu seja. Mas sou. A certeza é que sou.
E de onde vem essa sensação de ser? Esse sentido de existir? Essa verdade em respirar? A certeza é que sou. Sei que sou, mas não sei como trançar o intrínseco nem como desvelar o não revelado.
Sou contraditória em tudo que vivo. Sou o oposto do que me é e a essência do que não sei que sou. Sou confusão que não se compreende senão ao não ser compreendida. Sou o nada que não se enxerga e o tudo que pensam ver. A certeza é que sou, todo o resto pode não ser mais.


sábado, 16 de abril de 2011

Sonha, Carolina


Seu nome era Carolina. Sorria alegrias e tristezas, abraçava o mundo com destreza, e seus olhos profundos e misteriosos guardavam a dor do mundo todo. Carolina amava, e chorava o amor que não mais aparecia na janela para contemplar seus cachos, despertar-lhe suspiros, florescendo aquele sentimento que ninguém explica muito bem.

Passeava sozinha pelas ruas, à procura de um caminho que a fizesse ser um pouco mais ela mesma, um caminho que lhe entregasse à compreensão e a fizesse perceber as respostas que tanto procurava. Carolina era amor, uma estrela que se erguia buscando emitir luz.

Seus amigos não compreendiam sua profundeza e intensidade. De tanto que Carolina era, ninguém parecia entender o que era ser Carolina. Todos procuravam tirá-la de seus sonhos, capturá-la para o mundo de todos, mas ela só queria seu próprio mundo.

 - Carolina, volte à realidade, menina, deixe de suas ilusões, corre atrás de viver.

O que as pessoas não entendiam é que Carolina tinha sua maneira toda singular de viver, e era essa: seus sonhos eram sua vida. Ao debruçar-se na janela, o mundo que criava era a vida que desfrutava. Tudo observava, menos as obviedades às quais todos se prendiam.

Ah, Carolina, se metade de teus sonhos fossem realidade, como seria tua vida? Ela não sabia, nem queria saber. Às vezes sentia algo assim que lhe dizia: "Sonha, menina, que é nos teus sonhos que podes ser feliz. Realidade é chato, e uma vez realidade, a satisfação de sonhar se desfaz. Sonha, menina, que a vida é mais completa quando se sonha".

Tudo morria, tudo se desfazia... e Carolina em seus sonhos ainda vivia.

Mas sonhos também terminam. Sonhos também não são, apesar de serem. E mesmo que Carolina se abrigasse em sua farsa encantada, a realidade chama. A realidade pede, exige. Embora se recusasse a comparecer, todos sabiam e a alertavam:

- Carolina, menina ingênua, um dia a realidade há de te pegar de jeito, e sem jeito tu ficarás. Acorda, menina, acorda!

Mas Carolina nada ouvia. Apoiava-se na janela, jogava os cachos pro lado e suspirava, ignorando o peso do tempo que passa e logo ressurge em arrependimento. Ah, Carolina, quando teus olhos finalmente abrirem, tua vida terá passado e o tecido áspero daquilo que deixastes de fazer arranhará sem dó tua pele e sem sorriso e encanto teus olhos profundos e misteriosos pesarão.

Como era doloroso o que estava por vir! E todos notaram, só Carolina não viu.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Alusão à ilusão


A mentira que evito é a mesma que me alimenta. Não aprendi a conciliar valores ao desejo de ser feliz. Quero estar feliz. E não, não sou infeliz. Há tempos perdi essa prática - a de sofrer incomensuravelmente. Mas não sinto falta pois ainda sei me encontrar.

Eu quero tanto a verdade no sentimento que, sabendo sua raridade, fico assim sem significar a esperança. Porque não pareço agradar ninguém além de mim mesma. Não sei ser o que agrada - sei apenas ser o que me foge e se desenha fora de mim. E a mentira? A mentira acalenta os medos, angústias, crises. Mentira parece tão bom. Por isso mente-se e mentem-se todos e sempre. Porque mentira é conforto, mentira é o desejo.

Enquanto o falso está aí para nos preencher os olhos com sensações vazias, embora cheias de uma alegria quase real, o verdadeiro dói, faz cair, desilude. Mas é no verdadeiro que tenho real interesse. A mentira acaba, o falso se desfaz, o ilusório é temporário... Quero o verdadeiro em minha realidade para que possa ser desfeito de maneira a ter meu peito carregado de lembranças com verdade. Verdades no peito, eu quero sim.

Estou na fase dos desejos. E vem o desejo de escolher. Da mentira, estou cheia. De fantasias, minha memória está congestiada. Do fácil, eu não tenho provas. Mas quero do simples e complexo o seu máximo. Eu quero a chance de verdadeiro na oportunidade que o falso me oferece. O que eu quero, então, é amor. Que de maior verdade possui sua complexidade e oposição.

Eu quero, então, o amor em sua demonstração. Quero sua dedicação e apoio, sua intensidade e sutileza, suas palavras e aparições. Quero o amor em sua verdade para esquecer a beleza em que o falso se mostra. Porque não sei agradar e perco a esperança. Mas quero um sol pintado em colorido na janela - um sol ilusório que a verdade do amor me fará enxergar.