Só te encontro a caminho da padaria. Na fila da lotérica,
e quando já vai chegar a minha vez. Correndo pra alcançar o ônibus que tá vindo
ali na esquina já e vai demorar mais uns 40min pra passar de novo. Quando cê tá
pra lá de atrasado pra um compromisso, acordou tarde, quase que perde a hora...
Já pensou? Parece que a hora da gente não encaixa. Que minto, e que a hora
nunca é da gente mesmo, que tem a tua hora, e tem a minha hora, e que são horas
diferentes, elas mal se encontram, não se acertam.
Outro dia eu saí de casa tão despreocupada, tão querendo
o passo lento e calmo da vida, que você foi meu primeiro pensamento. Saí assim
pensando com tudo o que eu sou que naquele dia era pra gente se encontrar, a
qualquer esquina do meu caminho, do teu caminho, era pra ser nosso encontro.
Desejei tanto, como quem acredita piamente que a força do pensamento é
suficiente para que a vida entre no eixo do nosso querer. E eu acreditei tanto
que eu achei que ia entrar e que tu ia aparecer pra reparar no meu corte de
cabelo e não falar nada, pra eu saber que teu coração ia acelerar que nem o
meu, e a gente ia querer junto que tivesse um depois dali, porque o presente
não ia bastar.
Eu queria assim, um presente que não bastasse pra nós.
Imagina que coisa bonita que ia ser se a gente se encontrasse ali naquele dia
calmo que eu saí de casa despreocupada e querendo te trazer ao meu encontro só
na força do pensamento, um pensamento que ia ser tão forte que ia mesmo te
trazer pra me encontrar, e reparar na minha calma, e no meu cabelo, e no meu
coração querendo abraçar o teu só pela velocidade. Tu sabe como eu adoro que o
negócio seja bonito assim que nem na minha cabeça, né? Que eu sou só romance
por baixo de um monte de pensamento moderno como cada um na sua e etc.
Voltar pra casa sem te ver naquele dia era como uma
comprovação lógica de que a hora ainda não era essa, e teu tempo ainda era
diferente do meu, e nossa hora ainda não era nossa, tinha a tua e tinha a minha,
mas elas são diferentes e mal se encontram. Era pra ter sido mais do mesmo e
não foi. É que minha hora de ser junto da tua já tinha chegado, e eu saí
despreocupada é porque tudo em mim era a fé de que dessa vez era pra ser. Tudo
em mim era o desejo de fazer com que dessa vez fosse. Mas eu sou é besta, ou só
muito autocentrada, porque na crença de que meu tempo tava pronto pra ser finalmente
teu tempo também, eu me esqueci de que um encontro pede pelo menos dois entes
dispostos à coisa que está prestes a acontecer ali, no além do primeiro passo.
Mais uma vez eu estava te encontrando a caminho da
padaria, mas eu estar disposta a abrir mão do café da manhã só pra gente poder
trocar uns miúdos, com calma, à procura de um depois de agora, ceifou aquilo
que chamam de - sem cuidado, talvez - ação
despretensiosa. Acho que fui pretensiosa demais. Vi meu querer desabrochar
de um jeito tão bonito que parecia pronto pra frutificar. Achei que,
pretensiosamente, meu querer bastava pro teu. Doloroso a gente ver assim
crescer na gente não só o sentimento bonito que era eu querer tu comigo, mas o
negócio feio que era eu achar que isso bastava pra tu entrar na hora e fazê-la
nossa.
Não sei, eu tenho uma tendência difícil a pegar pesado
comigo mesma, sabe, acho até que cê sentiu (ou era o que dava pra ver pelo tom
de luminosidade com que tentou encher a maré tempestuosa que são meus
pensamentos), mas eu to vendo é que tem sido essa a minha casca de banana no
chão: a pretensão. Só que se a gente tem um negócio na cabeça, no coração, na
vontade, tá ruim de não pretender, planejar, se propor, almejar e esses outros
sinônimos, não é não? Tá ruim de não se arremeter pra não se arrematar. Tá ruim
de não botar fé que vai ser bom, que vai ser nosso e que vai ser.
Talvez, só talvez, deixar de agir despretensiosamente
faça parte de eu estar disposta ao nosso encontro. Daí que talvez tudo o que eu
senti saindo de braços abertos ao encontro de alguém que nem sei se viria tenha
sido uma presunção de anseio mais que de arrogância. É isso, eu preciso acolher
uma ambição que nasce tão genuína e se entrega no impulso inconsequente da esperança,
sabe? Acolhê-la ciente de que a casca de banana em que escorreguei também tem
propriedades de cicatrização sobre a pele irritada. Cê pode procurar saber,
minha vó que me ensinou tem poucos dias.
E eu vou ouvir o conselho da minha veinha, viu... Se, na
correria pra alcançar o ônibus a tempo, a afobação da minha pretensão me fizer
de novo escorregar, vou respirar fundo e seguir, voltar pra casa, me acalmar,
como fiz naquele dia. Só que agora eu sei que no mesmo canto em que a gente
tropeça, a gente encontra a cura. A casca de banana que era só meu empecilho,
se bem utilizada, vai ser minha cicatriz. E, um dia, esse desencontro tão
palpável que parece coisa quando pesa sobre meu peito, vai ser só a lembrança,
talvez marca, de um trecho de vida que percorri, mas já passou. Talvez junto
com você. Vou deixar curar... Mas talvez, só talvez.