quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O mundo precisa de amor



Parecia que o mundo todo precisava de amor, mas ninguém estava disponível. Ou ninguém sabia amar. Ou ninguém queria amar. Ou só não conseguiam entender. Mas tudo exalava cansaço, havia em tudo uma ausência intraduzível, impossível de não enxergar. Por toda parte, havia mãos soltas desejando afagos, corações lerdos pedindo velocidades maiores, sorrisos dispersos querendo se firmar. O tempo todo, por toda parte.

Os que passeiam pelas ruas, em meio a tanta gente mergulhada em seus próprios propósitos e anseios, esquecem. Qualquer um esquece que não é o único. Não percebem que são, entre os outros, mais alguém pedindo atenção, só porque o fazem inconscientemente, assim automático, não, nem percebem. E aí olham ao redor com distância no olhar. Raras são as vezes em que se dão conta de que essa distância é superficial, estão todos muito perto uns dos outros e é a semelhança que os assusta.

Feito olhar no espelho. Feito ver a cicatriz de que não se gosta. Feito encarar a ferida que incomoda. Feito dar de cara com os defeitos que a gente finge que não tem, que é pra não se enfadar de si. Olhar o outro é se ver de perto. É também se perceber de longe. Dessa autoanálise, resta a separação, a fuga, o medo, o desejo de afastamento para não haver afrontamento. Porque ninguém pretende desabar.

A verdade é que ninguém sabe dar amor, mas teima em dar mesmo assim. Uns dão as mãos, outros dão presentes, alguns dão-se inteiros, há os que se guardem. É uma busca desesperada por uma dinâmica de interações: eu te amo, você me afaga, eu te banho, você me irrita, eu te ignoro, você me esquece, eu te chamo, você me encontra, eu te olho, você me pede, eu te respondo, você consente, eu te vejo, você se encanta, eu me despeço, você entristece. A gente não cansa de se cansar.

Em nome dos que precisam calados, dos que precisam espontâneos, dos que precisam em gritos, dos que precisam acanhados, dos que precisam devagarzinho, dos que precisam inteiros, dos que precisam sinceros, dos que precisam fugitivos, dos que precisam orgulhosos e até dos que fingem não precisar: assumam-se. Olhem-se nos espelhos todos – não sem medo, mas apesar dele. Encarem-se nos olhos do outro – não sem fuga, mas apesar dela. Amor não é sobre saber e isso sabemos bem. Não se ama porque se sabe amar, porque não tem um porquê. O amor só é, então seja. Sejam o amor que não sabem dar para que o amor seja dado sabendo ser.

domingo, 16 de setembro de 2012

Sobre o escrito, e o escritor, e a vida...



Quando crianças, escrevemos nossas histórias com empolgação, mas bem de leve. Parece que ainda não sentimos firmeza ao segurar o lápis. Traçamos no papel as peripécias de uma vida aparentemente tranquila, onde os problemas são dramas de quem ainda não entende o que acontece.

Você cresce um pouco e começa a escrever com mais propriedade, quer deixar as marcas no papel. Quer pensar que se depois decidir ler, vai gostar do que viveu. Deve ser aí que a gente começa a sentir tudo intensamente. E é aí que começam os superlativos. De repente temos os melhores amigos do mundo, os melhores pais que alguém poderia ter, a família mais aconchegante com todos os seus defeitos, sua vida profissional tem tudo para dar certo, seu lazer está no auge... Mesmo que não. Mas é o que repetimos para nós mesmos, o que queremos acreditar que é nosso.

Por isso escrevemos capítulos recheados de adjetivos – sentimos tudo e com intensidade. O desejo de que as pessoas não nos abandonem se torna base suficiente para a crença de que elas não irão – não, nunca fariam isso. Os pais que nos tiram do sério são os mesmos para quem corremos no domingo à noite, pedindo colo ou companhia para um filme. Inclusive sua profissão só precisará de um empurrãozinho, você só tem que se dedicar e está tudo certo. O otimismo presente em nossos sorrisos inocentes.

Até que chegamos à fase crítica em que percebemos que a nossa história, por mais que seja nossa, nós não a escrevemos sozinhos. Aqueles melhores amigos do mundo têm seus próprios lápis e eles vão escrever a própria história – e isso interfere no que será escrito por você. Quando seus pais continuam suas histórias, do jeito que eles quiserem continuá-las, transformam a sua. Seu desempenho profissional dependerá de uma série de outras histórias que estão sendo simultaneamente escritas. O lápis que parecia ter o poder, na verdade, é só mais um dentre tantos outros – e, assim como os outros, não está sozinho ao escrever.

Acabamos nos sobrecarregando de um pessimismo que nos coloca em nosso devido lugar: “Não vá pensando que sua história será como você imaginou que seria, existem outros autores, querendo outros fins, escrevendo diferentes meios, aspirando a consequências distintas”. E o que os outros escrevem nem sempre é o que você queria que acontecesse na sua história. “Aquilo ali não tem clímax, ou não tem sorriso, ou não tem mocinho e vilão, ou só tem confusão demais...” Serão feitas inúteis, as críticas. “Mas é muito chove-não-molha, é muito papo furado, é muito disse-me-disse, quanto toma-lá-dá-cá...” Todas inúteis.

O medo que dá é desse pessimismo pesar de um jeito que faça a gente perder o controle do lápis e deixar que os outros escrevam nossa história. É de se perder a ponto de se esquivar da responsabilidade de escrever seu próprio enredo porque os contratempos dos choques de roteiro o fizeram esquecer a coragem de recomeçar personagens, resignificar vivências. É de abandonar o entusiasmo para acreditar outra vez e, com muito jogo de cintura, chegar aos esperados fins por meios inusitados. É de desistir de investir nos resultados pelo cansaço das repetições.

É só o medo de permitir que o que a gente escreveu até agora nos impeça de continuar a história. Mas, em algum lugar guardado na gente, tem uma brechinha de esperança. Já exausta, mas está lá. Que a gente cultive suficiente amor-próprio para deixá-la florescer, a esperança (mesmo que seja este o sentimento mais assustador).

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Chiaroscuro

Olhou-se no espelho tão atentamente que não parecia se ver. Porque não se via. Seu olhar era sempre distraído. Repousaria na face de outros com cuidado (e nem sempre), mas ao encarar a si mesmo, era vago. Como se pretendesse manter distância – acho que pretendia.

Lavou seu rosto, mas não se sentia limpo. Há mais do que o físico a encarar. Seu corpo era sua máscara – caía-lhe tão bem, servia-lhe perfeitamente, jamais suspeitaram de que por trás daquela pele havia mesmo alguém. Eles falariam como se houvesse, mas não acreditavam de verdade. Se acreditassem, não falariam.

Continuou a se despir, mas não acreditava em sua nudez. Sabia-se carregado, conhecia-se bem e percebia suas próprias simulações. Mas as percebia apenas em silêncio, que era para não correr o risco de se ouvir. Ou não suportaria as próprias palavras – ainda que fossem sussurros ou gritos.

Aquietou-se debaixo do chuveiro, mas não se deixaria iludir que com a água também escorreriam suas dores. Continuaria dizendo a si mesmo que agora estava tudo bem, que o sorriso estava lá e que ninguém o estava enganando. Mas conhecia sua mentira - mentia para si mesmo e era o que todos mais fariam ao encontrá-lo.

O sabonete escorregou de suas mãos, assim como sua fé nas pessoas, como seu desejo de vida e seus sonhos de cabeceira. E não suportou que ele deslizasse pelo chão, brincando com sua paciência, sabendo que a vida também era assim mesmo. Com lágrimas de raiva, dor, tristeza, impaciência, cansaço, e com força, fechou seus olhos, seu corpo pesou e caiu, não suportou. Fechou os olhos. Nunca havia visto a si, a vida, as pessoas... Seus olhos escureceram pois nunca os havia visto tão claramente.

Seus olhos cegaram, mas é que havia visto demais.

sábado, 14 de julho de 2012

Versos de ninar


“Te amo tanto, sabia?”
Parecia tarde, mas era aurora
Desembalou chocolate, dividindo ao meio - dois pra um
O amor amanhecia de amar

Olha o cheiro de afago, sente o sabor do olhar
De tão presente se fazia futuro
Despertava a raiva de tão entregue
De tanta verdade se fazia confuso
O amor amanhecia de amar

Loucos, trêmulos, ofegantes, em êxtase
Do delicioso aroma de um carinho na nuca
Brotava o desejo de para sempre pois nunca mais
Encantados de si mesmos, adormeciam
E o amor amanhecia de amar

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Sobre o vinho derramado



Tinha vinho no tapete. Há semanas. Eu me sentava à beira, mastigava alguns cereais, assistia desinteressada aos filmes da TV, fazia as unhas, de cabelo bagunçado, com a coluna torta, pensava bobagens, derramava lágrimas, nunca sorria. Vivia uma vida que não era minha porque tinha vinho derramado no tapete há semanas.

Saía para trabalhar como quem carrega um fardo. As pessoas soavam estranhas de tão estúpidas, fúteis, arrogantes, sorridentes, falsas. Todos aqueles olhos bem abertos esperando minhas falhas, meus tropeços, aguardando um motivo para cochichar com alguém ao lado o quanto sou errada nos mínimos detalhes que são tão meus, o quanto sou arrogante por não sentir necessidade de cumprimentar ninguém, como meu jeito de falar parece pedir que alguém me cale pois já cansaram de me ouvir. São todos assim, vampiros dos equívocos alheios, caçadores dos defeitos de ninguém, precisam todos que você se contradiga, que você não faça direito, que você seja ridículo, para que possam se sentir menos contraditórios, errados, cômicos.

Todos precisavam que eu caísse. Tão logo me acostumei à mediocridade do meio, parecia natural cair. Era natural que eu não quisesse mais levantar. Era esperado que eu errasse – e que esses erros pesassem em minhas olheiras, na minha postura desleixada, no meu aguardo por nada, em mim.

Voltava para casa como quem alcançou o ápice do dia. À beira do tapete, lia revistas que interessavam em nada, bocejava aberto, passeava em roupas íntimas sem receio de ser observada – pois nem seria -, adiava tudo quanto podia. Vivia esperando pois sabia que nada aconteceria e nada teria de ser feito, então.

Gostava do cheiro de vinho impregnado no tapete, que eu não sabia se estava mesmo lá ou se eu sentia apenas por desejo. O cheiro me maltratava, prendia-me ao tapete, impedia-me de lavá-lo, cansava-me de lembranças. E eu observava a mancha de vinho em meu tapete e mais parecia assistir às ondas do mar em seu ir e vir infinito. Já não sabia mais.

Eu me tornei o medo do que há lá fora, pois só em meu tapete havia vinho derramado. Caminhava pela casa, seguia ao banheiro, dormia em meu próprio quarto, mas ciente de que logo voltaria à sala, sentaria à beira do tapete e, talvez de olhos fechados, inalaria aquele vinho já compenetrado há semanas.

À beira do meu tapete, embriagada de memórias, eu me agarrava à mancha de vinho que fizera de uma noite a minha vida inteira.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Insuficiência

Sempre estive em conflito, como se esta fosse já minha condição em vida. Este conflito sempre me pareceu ser uma promessa com finalidade de alcançar uma paz interior que nunca verdadeiramente me chegou. Por isso ando em círculos, chuto pedras, tropeço feio, numa tentativa infindável de me encontrar onde nunca me achei. Já disse? Sou desorientada da vida.

Caminho distraída à procura de um sinal que me permita recuar. Mas só avanço, avanço, avanço – sou o impulso de vida. Tão logo imagino, estou reagindo. E este parece ser um de meus maiores fardos: o descontrole de ser.


Não me percebo capaz de me delimitar. Há esta urgência, entende? Este já, este agora, este vamos – mas sem demora. Constantemente me despindo, mergulhando, correndo, assanhada. Não me contenho. Preciso me conter. Rearranjar-me de forma a me aceitar, pois me amar é a mentira que crio para que então possa me suportar.

Sou insuportável.


Mimo-me e enojo-me de tanto me dar o que eu quero. Porque não sei lidar com o indesejado. Estou fraca de resistências. Não resisto a mim e me deixo perder. Ajoelho-me aos meus pés, cedo às minhas próprias vontades, sou uma escrava de mim mesma. Há uma carta de alforria à minha espera – mas onde? Mas será? Mas como? E por que não?

O intenso cansaço de ser que sempre vai, mas sempre volta. Viver não é natural. Viver não é mesmo aceitável ou lógico – é este absurdo! Divergência maior não há que não agüentar mais viver e não conseguir parar. Viver parece sem freios, embora sei que chocarei contra uma muralha a qualquer instante. E um instante qualquer é este mistério de que não podemos nos livrar – angustia, resgata, esboça, penetra e não vai.

O não-saber é que nos causa tudo isto. Este vômito engasgado, estas seqüelas incuráveis, este contorcer-se no chão frio. O sangue que se derrama por tanto querer saber o que nunca se saberá. O vai-e-vem do que parece satisfazer, mas não – mas não, apenas não. E vem pesado, este não – parece afundar. Mas me pergunto o que faríamos de um sim, e do quão longe teríamos de voar sem nem mesmo querer, e apenas partir, sem nem desejar, porque o sim é isto: é ir.

Irei? Algum dia, a qualquer instante, num momento qualquer: irei? Eu suspiro; ainda não sei. Rasgo-me à insuficiência da dúvida, que é a insuficiência de ser, enquanto desejo que eu não mais seja...

Isto arde, pois ainda sou.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Convite

Entra. Me visita. Vem devastador. Me abre. Me expõe. Me tem. Combina comigo. Vem se inserir em mim. Vai se esconder de mim. Mas volta mostrando tudo. Pisca pra mim. Me ama. Me envolve. Vem se envolver. Vamos? Me cuida. Te cuido. Te tiro. Te puxo. Me sente. Caminha devagar. Mas vem. Conta pra mim. Perde a conta. Se perde em mim. Me escuta. Me escolta. Deixa que eu te protejo, vem. Compartilha comigo. Partilha dos meus... Suspiros, bocejos, encantos, das minhas doses. Toma eu. Me bebe, engole. Sussurra eu. Vem cá. Suga meu medo. Vam’bora. Olha bem dentro, enxerga tudo. Como quem já me despiu inteira. Tira a roupa que eu visto. Veste a roupa que eu tiro. Me arranha. Me rasga.  Me confunde. Enlouquece eu. Me faz gritar. Me faz querer calar. Mas me faz. Me deixa. Mas volta. Não corre. Não foge. Fica. Me faz gargalhada. Me faz sentido. Me faz perdida. Me deixa viva. Parte comigo. Não vai sem mim. Deixa teu cheiro de uísque em mim. Me embriaga. Faz música de mim. Faz de mim música. Melodia equivocada. Me canta. Me faz tela branca. Pinta em mim tua bagunça, teus anseios, teu amor. Me faz arte. Me faz amor. Faz amor. Te deixo fazer o que quiser de mim, comigo. Mas faz. E vem. E se entrega – como quem ama. Me faz...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Subterfúgio

Fracas fugas
De fortes fraquezas
De ardentes pecados
De sutil solidão

Vou embora
Caio veloz
Beijo o chão
Parti chorando

Fracas fugas
De calmos sorrisos
De lacrimejantes alegrias
De beijos apaixonados

Chegou minha hora
Dessa vez eu vou
Escorrego devagar
Fotografo o adeus

Fracas fugas
De delicadas derrotas
De dolorosos apelos
De caminhos confusos

Eu vou embora
Não volto
Em doses homeopáticas fico
Me guarda

Fracas fugas
De fortes fraquezas
Eu vou
Adeus

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Nua

Estou num desses raros momentos da vida em que não sinto medo, nem tristeza, nem raiva, nem pressa. É como finalmente aceitar-se flutuando na superfície do mar, ciente de que a correnteza é mais forte que seus esforços para alcançar a extremidade oposta e quase gostar desta repentinamente compreendida como falta de direção. Até por sabê-la incompleta, por reconhecê-la momentânea, por captá-la como é: repentina, mas também efêmera.  

Sem pressa. Não quero correr e encontrar logo um caminho para seguir, ainda que por vezes seja inquietante deixar-se levar. É o seguinte: estou seguindo – e isto basta.

Parece até que afundei meus dedos na areia ao entardecer esperando que as águas viessem até mim e percebi que, apesar de me aprazer na aconchegante sensação de estar fincada em algum lugar, eu posso cuidadosamente ir em direção às ondas e lavar os meus próprios pés. Sozinha e solitária, plena de mim mesma. E apreciar os ventos que bagunçam os fios de meu cabelo, jogando-os à frente de meu rosto, sem que me incomode. E mergulhar despida no mar, roçando minha nudez no sal dissolvido da imensidão, sem que isto me doa – ou que me doa, mas que eu saiba reconhecer a dor e vivê-la em seu âmago, inteira.

Eu não mais reconheço o que me tomou a liberdade. Só pareço perceber o quanto quero este abandono – quero, quero, quero (e é só neste momento em que o medo brota dentro de mim: agüentarei?).

Acho que perdi muito neste encontro com o mar. Por isso me sinto leve. É por tanto que meus olhos quase dizem: leve-me. Leve-me, leve. Sem medo, tristeza, raiva ou pressa. Quero mergulhar, quero afogar a mim mesma neste... Shh, e só atenta, é agora! As onomatopéias deste mergulho se professam:

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Lis,

Eu te amo, só não te quero mais. Não quero voltar para os teus abraços daquele jeito. E sei que seria sempre mais do mesmo, já não suporto mais. Seríamos a repetição dos mesmos erros. Da tua fuga, do meu pedido; das tuas desculpas, do meu vício; das tuas mentiras, do meu perdão; dos teus impulsos, do meu cuidado; do teu silêncio, de meus gritos; do teu escuro, da nossa vontade.

Não, não. Já descartei nossas cartas – que queimem. Não quero a tentação de captar teus sorrisos de papel mais uma vez. Que naquelas linhas em brasa viva a paixão que nos abrasou. Não compreendo que borrachas não adiantem para extinguir, que novos lápis componham a mesma história e que as réguas não meçam um horizonte. Mas descartei, sem compreender, pois nem sempre devemos aguardar compreensão para agir – e agi, sem temer, ainda que esta seja uma das minhas grandes ilusões.

Sabe que visualizei claramente uma esperança? Deve ser a  isto que temo. É o primeiro passo para as mágoas e decepções que gostaria de evitar. Mas não, não vou. Não seria eu. Fugir do ápice para evitar o declínio não diz de quem sou. Por isso tenho esperança. Porque o medo de cair é menor que a vontade de voar.

Eu poderia dizer para que me esqueça, mas quero pedir que não o faça. Por favor, mantenha minha lembrança em sua memória. Ao menos o suficiente para que eu saiba que fomos. Que não somos, mas fomos, e que isso importa.

E, por último, deixe-me confessar: tu parece até flor. Flor bonita. Que se enraizou no chão – e que não tem pressa de voar. Tudo bem. Entendo, você quer a solidão de ser bela e admirada, enraizada e sozinha. Quase gosto disso. Mas eu preciso partir. Não estou disposto a me acorrentar ao seu lado por ser bela assim e seu cheiro envolvente como é. 

Eu vou embora, Lis. Vou procurar sem buscar alguém que queira caminhar comigo. Se acontecer de conseguir voar, em algum momento, eu me lembrarei de você. Só quero que saiba de mais uma coisa: nesse momento, eu vou sorrir.

Com amor,

O meu eu-lírico.