Não,
não faz isso comigo... Não me pressiona a dar o segundo passo; não enquanto
ainda estou apreciando a paisagem que a perspectiva de cá do primeiro me
oferece. Dentre as estimas saudáveis que tenho em vida, quero a leveza de
caminhar sem pressa.
Preciso
de tempo (esta coisa abstrata a que habitualmente nos retratamos como figura
física, referindo-se a sua presença ou falta)... Como se o tempo que o tempo tem
não tivesse o tempo que eu quero ter. É que quero observar os passarinhos... Tão
bonitinhos, eles. E olha lá aquela menina fazendo castelinhos de areia, talvez
até imaginando que habitá-lo significaria viver constantemente com ciscos nos
olhos. Dá um dó do padeiro ali do lado, claramente impaciente, que já começou
algumas vezes, e só começou, a contar o dinheiro do caixa de ontem... Sempre se
atrapalha quando um cliente chega. Ah, e aqui tá confortável também, do lado de
cá. Recostada nesta parede, consigo visualizar o que está ao redor sem cansar
muito as pernas.
Não
quero que penses que sou assim... o que diriam os maldosos, sabe? aquela pessoa
acomodada, que não quer nada com a vida ou pouco sabe sobre o que quer. Quero
sempre tantas coisas, mas tantas coisas, que eu preciso me recostar cá nesta
parede, observar o passarinho bonitinho, achar graça das minhas maluquices
projetadas na menininha e lamentar o atrapalho do padeiro meio desorientado...
Preciso me recostar cá e relaxar as preocupações. Senão a gente enlouquece, não
é?
Não
que eu ache que todo mundo tem que ser sadio da cabeça. Acho mesmo é que a
gente precisa de um pouquinho disto que chamam de loucura, ou que eu chamo de
loucura, que é pra aliviar as pressões todas que há para se ser sempre só mais
um no meio de tantos. Mas não quero enlouquecer de desejar demais, não. Aí eu
tenho que me distrair. Aí eu tenho que me recostar nesta parede, reparar nos
pássaros, crianças e comerciantes, que é pra aliviar a angústia de decidir, de
ponderar, de relativizar, de agir, enfim.
Eu
sei, eu sei, isso é papo de quem não quer fazer as coisas que tem pra fazer aí
na vida, de gente relaxada, de sujeito acomodado, conformado, já sei. Mas eu
quero fazer sim, rapaz, eu num tô lhe dizendo que eu quero? Eu só não quero
fazer no desembesto! Não vejo de muito agrado sair por aí saciando os desejos
todos, bem assim, sem nem pensar um bocadinho que seja no desejo em si, na
coisa lá que eu quero ver, fazer, ser, experimentar, viver e até coisar. Aí por
essa necessidade de degustar o desejo, de sentir o mesmo saborzinho, diria até maravilhoso,
que é o "não" quando você tem garra pra correr atrás de engatar um
"sim", sabe, é por essa necessidade que eu me recostei aqui nessa
parede e tô vendo o bicho voar, o castelo subir e as moedas se amontoando...
A
verdade mesmo, verdade de coração, é que eu acho um negócio bonito danado você
ficar parado só pensando que queria viver... Sei lá, uma viagem repentina sem
rumo só pelo desejo de novos ares; uma paixão aventureira que deixa teu coração
miúdo e grandão num arranjo só; aprendendo mais sobre a vida marinha e os mistérios
que envolvem o oceano; só pra descobrir a razão primeira de a gente se enamorar
com quem não parece nadinha com a gente;
tempo suficiente para aprender várias línguas e conhecer diferentes
culturas... Ah, e por aí vai...
Vocês
não acham bonito, não? Aí é que tá, é por essa paixão descuidada pelos desejos
desmedidos e estimados que a gente vai carregando e acumulando, é por esse
carinho aparentemente sem sentido que eu tenho pelo processo que a gente passa
no "querer" antes do "realizar", é por essa beleza que eu
vejo em ter esperança de acontecer que eu lhe digo, cês podem correr pra fazer
o que cês quiserem (ainda mais se acreditam nesta história de que a gente perde
tempo), mas é por gostar do gostinho de sonho que fica no paladar que, de vez
em quando, eu me recosto aqui nesta parede e fico à toa, deixando a vida
passar.