sexta-feira, 6 de maio de 2011

Café e seus implícitos


Uma xícara de café era tudo que tinha à sua frente, pensou. Logo em seguida, no entanto,  percebeu a relatividade de sua afirmação. Havia a parede, havia o ar, havia a mesa sob a xícara. Havia seus chinelos no chão, havia um mosquito por ali pairando. Havia muito à sua frente, ainda que, a primeiro momento, tudo o que pôde enxergar tenha sido a xícara de café.

Se aplicado à realidade, era como as coisas funcionavam. O óbvio: era a que se agarravam as pessoas. Coisas invisíveis, como o ar que lhe separava da parede suja, tinham sua existência ignorada. No decorrer dos dias, os valores eram dados ao que se tinha em prontidão, ao exato e evidente, nada era reservado ao implícito, ao inconstante e efêmero.

Entendeu, então, que a verdade residia nas situações mais simples, menos perceptíveis, por isso poucos sabiam enxergá-la. Seu desejo se tornou viver a simplicidade que se esconde, embora não soubesse onde poderia encontrar alguém que se dispusesse a acompanhá-lo nessa descoberta do mínimo.

Imaginou-se na calada da noite, com suas pernas entrelaçadas em outras pernas, seus cabelos embaraçados em outros cabelos, sua respiração misturada a outra respiração. O abraço, a confidência, a intimidade. O simples presente em uma visão, a verdade encontrada em sua imaginação.

Viu-se sorrindo abertamente uma alegria sincera, olhos que lhe diriam um mundo singular e extraordinário, as maçãs de um rosto doce encostadas em seu ombro. Soube onde teria verdade, soube onde mergulharia no simples e, no mergulho, acharia um modo de ser ele mesmo e viver o real no íntimo.

Por um momento, sentiu como se alguém pudesse senti-lo e vivê-lo em sua sutileza. Sentiu seus anseios como possibilidades. "Mas a vida não é como a gente quer: entre o sonho e a realidade, existe um anjo mau que resiste ao nosso desejo." Tomou os últimos goles de café junto a sua fúnebre recém nascida esperança.

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