sábado, 4 de abril de 2015

Maria tecia poesia

Não há, nas palavras, como dizer. Só no silêncio. E a necessidade de trans-bordar se retém em linha solta, desordenada.

              Traço um laço, fito a cena, enlaço o corte, descuido da seta.

O mudo revela: há mudanças costuradas em tecido cobre, cobrando atenção para seus ditos, vibrando sua ferrugem desgraçada.

Não há graça.

Maria usa tesoura, usa papel, usa agulha, usa purpurina, usa borracha, usa pedaço de pano, pedaço de papelão, pedaço de vida. Maria não tem palavras, mas tem dizeres. Maria usa do mundo para desusar seus hábitos. E desabita, inábil.

Não há como dizer, mas diz – afastem as palavras que ela quer falar. Tirem de perto as pronúncias que ela assim se manifesta: estática, calada de sons, bordando sentidos de saber e desconhecer. Da borda da calça às bordas das experiências pulsantes de seus dias, Maria trans-bordando negligência cala dores, e amores, e cores, e odores, e pudores para seguir imitando a superficialidade da borda, que não adentra e não se expande, que não se revigora nem transpassa; Maria só diz se for silêncio e não se engraça em habitar.


Nas costuras de vivas passagens mudas, a linha que liga Maria às desarmonias firmemente se prendia de uma borda a outra em uma graça única que havia: Maria sentia poesia nos dias.