quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O tempo que o tempo tem


         Não, não faz isso comigo... Não me pressiona a dar o segundo passo; não enquanto ainda estou apreciando a paisagem que a perspectiva de cá do primeiro me oferece. Dentre as estimas saudáveis que tenho em vida, quero a leveza de caminhar sem pressa.

         Preciso de tempo (esta coisa abstrata a que habitualmente nos retratamos como figura física, referindo-se a sua presença ou falta)... Como se o tempo que o tempo tem não tivesse o tempo que eu quero ter. É que quero observar os passarinhos... Tão bonitinhos, eles. E olha lá aquela menina fazendo castelinhos de areia, talvez até imaginando que habitá-lo significaria viver constantemente com ciscos nos olhos. Dá um dó do padeiro ali do lado, claramente impaciente, que já começou algumas vezes, e só começou, a contar o dinheiro do caixa de ontem... Sempre se atrapalha quando um cliente chega. Ah, e aqui tá confortável também, do lado de cá. Recostada nesta parede, consigo visualizar o que está ao redor sem cansar muito as pernas.

         Não quero que penses que sou assim... o que diriam os maldosos, sabe? aquela pessoa acomodada, que não quer nada com a vida ou pouco sabe sobre o que quer. Quero sempre tantas coisas, mas tantas coisas, que eu preciso me recostar cá nesta parede, observar o passarinho bonitinho, achar graça das minhas maluquices projetadas na menininha e lamentar o atrapalho do padeiro meio desorientado... Preciso me recostar cá e relaxar as preocupações. Senão a gente enlouquece, não é?

         Não que eu ache que todo mundo tem que ser sadio da cabeça. Acho mesmo é que a gente precisa de um pouquinho disto que chamam de loucura, ou que eu chamo de loucura, que é pra aliviar as pressões todas que há para se ser sempre só mais um no meio de tantos. Mas não quero enlouquecer de desejar demais, não. Aí eu tenho que me distrair. Aí eu tenho que me recostar nesta parede, reparar nos pássaros, crianças e comerciantes, que é pra aliviar a angústia de decidir, de ponderar, de relativizar, de agir, enfim.

         Eu sei, eu sei, isso é papo de quem não quer fazer as coisas que tem pra fazer aí na vida, de gente relaxada, de sujeito acomodado, conformado, já sei. Mas eu quero fazer sim, rapaz, eu num tô lhe dizendo que eu quero? Eu só não quero fazer no desembesto! Não vejo de muito agrado sair por aí saciando os desejos todos, bem assim, sem nem pensar um bocadinho que seja no desejo em si, na coisa lá que eu quero ver, fazer, ser, experimentar, viver e até coisar. Aí por essa necessidade de degustar o desejo, de sentir o mesmo saborzinho, diria até maravilhoso, que é o "não" quando você tem garra pra correr atrás de engatar um "sim", sabe, é por essa necessidade que eu me recostei aqui nessa parede e tô vendo o bicho voar, o castelo subir e as moedas se amontoando...

         A verdade mesmo, verdade de coração, é que eu acho um negócio bonito danado você ficar parado só pensando que queria viver... Sei lá, uma viagem repentina sem rumo só pelo desejo de novos ares; uma paixão aventureira que deixa teu coração miúdo e grandão num arranjo só; aprendendo mais sobre a vida marinha e os mistérios que envolvem o oceano; só pra descobrir a razão primeira de a gente se enamorar com quem não parece nadinha com a gente;  tempo suficiente para aprender várias línguas e conhecer diferentes culturas... Ah, e por aí vai... 

         Vocês não acham bonito, não? Aí é que tá, é por essa paixão descuidada pelos desejos desmedidos e estimados que a gente vai carregando e acumulando, é por esse carinho aparentemente sem sentido que eu tenho pelo processo que a gente passa no "querer" antes do "realizar", é por essa beleza que eu vejo em ter esperança de acontecer que eu lhe digo, cês podem correr pra fazer o que cês quiserem (ainda mais se acreditam nesta história de que a gente perde tempo), mas é por gostar do gostinho de sonho que fica no paladar que, de vez em quando, eu me recosto aqui nesta parede e fico à toa, deixando a vida passar.