quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Delírio


Penetre em meus olhos e perceba o meu despudor. Notará que não sou o anjo que tenho aparentado ser. Não sou imaculada como talvez tenha dado a entender. Não sou celestial e pura como você certamente entendeu que eu fosse.

Eu sou mais que uma tarde límpida a observar o sol desmanchar-se no horizonte, mais que um sorriso fiel e aconchegante. Tenho mais a oferecer do que você pensou que eu pudesse.

Observo em seus traços que os fantasmas do seu passado não mentem. As figuras que silenciosamente dilatam a sua culpa, que realçam a sua impureza, são as mesmas que assombram os meus pensamentos obscenos.

Quanto preciso te contar para que acredites em mim? Quanto é preciso revelar para que você me mostre do que é capaz? Achei que pudesse ler em mim o que eu não encontro coragem para demonstrar a você. Achei que havia agido com clareza, mas parece-me que minhas atitudes tiveram efeito contrário ao desejado.

Esses sussurros, essas provocações... Não faça assim, por favor. Não enlouqueça o coração que por tão pouco se perde. Não me faça desejar suas mãos acariciando minha nuca, sua pele amaciando meu corpo, seu nariz roçando no meu.

Eu sou mais que uma risada que se desfaz, mais que um abraço mutilado. Eu tenho amor e cobiça. Sou doce, mas posso vir um tanto apimentada. Basta que me peça uma amostra, e tanto poderia te proporcionar.

Não me olhe assim, não sorria de tal forma. Afaste-se, não me faça ansiá-lo. Não quero cobiçar os seus lábios se perdendo em minha imprudência. Já está bem difícil ter controle sobre esta loucura que abrasa a minha razão. Não me faça querer sua saliva nutrindo a minha vontade.

Teu sorriso é tão assassino, a mais perfeita má influência. Não pense que te culpo, apesar de que seria bastante viável deixar as assombrações em suas costas. Apenas me deixe aliviar a dor deste crime que permaneço cometendo.

Você não deveria fingir não saber, não deveria ignorar meu chamado mudo. Seja como for, você já me tem. Não fuja agora que estou convicta.

Os pecados que acalentam a minha mente e perturbam o meu sono... Você quer que eu os pratique? A resposta me calará, eu prometo. Murmure o seu consenso, este fim. Não aguardarei mais.

Pronuncie o imprescindível para que eu tenha certeza. Apenas diga se me deseja. O fim está em suas mãos, querido, não o desperdice.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Belos olhos cálidos

Estão sorrindo para mim e, suavemente, sem qualquer compaixão, furtam-me a calma. Ficam aí, vasculhando o meu sorriso, a minha face, chegando mais longe do que me permito imaginar, e deixando-me assim, inativa e ambígua, sem nem mesmo saber o que proferem.

Fico aqui, nessa tentativa tola de decifrá-los, de entender o que têm a me dizer. Enquanto isso, eles me fogem e ainda que procure por respostas no rastro que deixam, toda a minha concentração se esvai no segundo em que o suspiro se liberta de meus pulmões lamentando o seu púbere abandono.

Vão embora sem dizer adeus, e deixam-me esperando a próxima vez na qual me visitarão. A eternidade presente na espera dolorosa e ofegante que o tempo me faz experimentar.

Eles sorriem. Delicadamente me descrevem tanto sem nada pronunciar. E eu, na ilusão de ter ouvido tais palavras, saio por aí com as mãos largadas acreditando em uma liberdade que acabei de submergir. No desejo de ouvi-las, acabo acreditando nelas, como se tivessem sido sussurradas sensualmente em meu ouvido, convidando-me a mais que um risinho abafado.

A distância que nos separa casualmente é demolida quando eles chegam, aproximam-se pouco e devagar e arrancam-me uma respiração profunda que você é incapaz de ouvir. Você sequer percebe os meus olhos evitando os teus tão insolentemente, apenas para que não possam notar o quanto de sentimento emerge em mim.

Mas são lindos, e sorriem para mim. Sussurram bobagens, mas nunca dão um decisivo adeus nem fazem promessas. É lindo, esse teu olhar morno, que sempre ao se achegar arrebata-me um brilho diferente aos olhos e um sorriso mais sutil aos lábios.

E eu continuo aqui, tentando desamparada ler as suas páginas, enquanto o coração arqueja a saudade boba que teus olhos me trazem. A saudade do quanto eles podem me aquecer durante um sensível vislumbre, de como me extinguem o deserto por desejá-los.

Olhos cálidos os seus, tão lindos e sorriem para mim.