domingo, 22 de novembro de 2009

Alvorada


Ela não desejava esperança. Ela amava a escuridão, a noite... E amava as estrelas que caridosamente contribuíam para o seu brilho. Ela amava a sua companheira lua, que vivazmente exubera-se na noite. Amava os vagalumes brincando entre si, enfeitando o cenário.

Ela não precisava de esperança. Ela tinha a dor e a melancolia para completá-la.

Mas o sol chegou.

A luz clareou sua visão e, quando a relutância se tornou insuficiente para afastar a claridade, ela se rendeu. Ela abriu os braços e sorriu.

Era a luz, o sol que chegava. A primavera se abria em seu coração, e ela não pôde evitar desistir da penumbra. Não era capaz de fugir dos feixes luminosos que agora destacavam-se em seus sorrisos e olhares. O sol tomou-a por inteiro, e ela deixou-se ser iluminada, deixou que o brilho a alcançasse.

Ela não teve escolha. Era a aurora de sua vida. O momento em que todos ao redor dormem serenamente; ela desperta e percebe o sol se erguendo no ar, elevando-se no horizonte. A sua noite sombria acabara.

Ela olhou ao redor e sorriu. A aurora chegara com a primavera. O céu expansivo tomou conta de seu humor, tornando-o sutil e fácil. Era o fim da madrugada, o início da manhã... Ela abriu os braços e, sem medo, sorriu. Para ser feliz.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Luscofusco


Era algo em seus olhos. Nunca saberei explicar. Eu apenas aceitava os convites que me faziam, inevitavelmente. Alguma candura, alguma amargura. Certa simplicidade. O que eu sei é que era algo em seus olhos, não saberia explicar.

- Está ficando tarde, não acha? – era um tom debochado, pude sentir.

Observei os seus olhos se erguerem à calmaria do céu daquela noite.

- Eu não acho nada. Você que me trouxe aqui.

Ele riu. Eu não vi graça alguma.

- Você é tão medrosa!

- Não estou com medo. A propósito, já acampei algumas vezes.

Ele riu mais uma vez, largando a lamparina à direita da barraca e se voltando para mim. Dessa vez estava mesmo debochando, não há dúvidas. Mas seus olhos estavam cálidos, o mel que sempre havia neles pareceu derreter a minha irritação. Então ele os aproximou sufocantemente dos meus, ainda com um sorriso leve à mostra.

- Não estou falando disso – e deslizou seus dedos minuciosamente dos meus ombros ao meu pulso, segurou-o com leveza e ergueu a minha mão, notavelmente perdido mais além da maciez da minha pele.

Eu estava assustada. Não sabia como frear o meu coração dentro do peito. Suas feições se suavizaram, os olhos que mexiam comigo alternavam entre o fechar-se e o abrir-se, talvez se decidindo a respeito de como seria mais agradável, enquanto ele se entretinha explorando a delicadeza da minha mão, beijando meus dedos, devagar, um por um. Elevou seu olhar crepuscular em minha direção novamente e, ao se aproximar um pouco mais, sussurrou:

- Estou falando disso.

E, sem me deixar pensar muito mais a respeito, tomou meus lábios em uma doçura de entrega. Ele passeava pela minha nuca, descia por minha coluna e me trazia para si. Acendeu-me, incendiou-me. E deixei-me pegar fogo.

Deixei-me ser entregue, deixei-me ser possuída. Deixei que brincasse comigo e balançasse meu controle. Apenas deixei-me lá, irracionalmente à mercê.

Era algo em seus olhos. Algo na maneira como me olhavam, sorriam e me refletiam; na alegria quando me buscavam; no sorriso quando me detinham. Eram seus olhos, havia algo ali. Algo nos seus olhos... Nunca saberei explicar.