"Você mataria seu passado para salvar suas marcas em mim?" Pronunciou em sussurro contra o vento leve que atingia seu rosto. Se o vento levaria as palavras aos ouvidos certos, era a dúvida que não esperava dissolver. Há tempos seu desejo de resolução do tudo havia amenizado. Sua necessidade de esclarecer o que lhe parecia obscuro era, agora, se não uma quase inutilidade dos curiosos, um desejo que aceitaria rejeitado. Mas lá dentro sabia que inútil não era, apenas doloroso - portanto útil se permanecesse oculto, embora ainda de maior utilidade uma vez descoberto e compreendido.
As cicatrizes que jaziam em sua pele eram insuficientes. Apesar de toda a dor que causaram, desejava mais. Ansiava por mais - não pela dor, sim pela sensação cravada em sua pele de vida aproveitada, de vida usufruída, de vida vivida, respirada, sentida, vida entregue. Dessa entrega, não se encontra mais. Porque, em sua entrega solitária, não haveria compensação. Quem se entregasse, nesse mundo, era raridade. Dessa entrega, poucos sofriam - poucos sabiam se entregar.
O que queria estava além do que os olhos de outros eram capazes de alcançar. Um horizonte transcendente, um além quase invisível, pouco peceptível, dificilmente encontrado. Sofria a espera de algo que não sabia nomear, embora sentisse com tamanha intensidade que sabia existente, vivo, possível.
Todos tinham seu passado cruel e avassalador. Todos se mantinham em sua bolha protetora, incapazes de se abrir ao mundo que lá fora jazia brilhante e inabitado. Todos evitavam entrega, todos evitavam encontro. Sozinha, evitava ser todos, ignorava os valores de segurança e preservação, estudava maneiras de se encontrar e se perceber em intensidades, buscava um sozinho que buscava entrega.
Mas passados dolorosos impedem entregas - todos tinham seu passado, todos tinham passado, enfim, ninguém ficou. Sozinha ficou. Com sua maluquice, sua ideia absurda de entrega, de encontro, de fuga, de desprotegida intensidade. Sozinha ficou. Em seus desejos, em suas esperas, seus desencontros. Sozinha ficou; tudo porque ninguém desejava verdade, todos queriam mentira protetora, nada de verdade desconcertante, nada de verdade insensata, inconsequente, não, nada disso, queriam mentira que acalenta, engana e ameniza, nada de verdade... Por tanta falta, sozinha ficou, e quase adormeceu. Porque passado que pesa não dá futuro.
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