Quando
crianças, escrevemos nossas histórias com empolgação, mas bem de leve. Parece
que ainda não sentimos firmeza ao segurar o lápis. Traçamos no papel as
peripécias de uma vida aparentemente tranquila, onde os problemas são dramas de
quem ainda não entende o que acontece.
Você cresce um
pouco e começa a escrever com mais propriedade, quer deixar as marcas no papel.
Quer pensar que se depois decidir ler, vai gostar do que viveu. Deve ser aí que
a gente começa a sentir tudo intensamente. E é aí que começam os superlativos.
De repente temos os melhores amigos do mundo, os melhores pais que alguém
poderia ter, a família mais aconchegante com todos os seus defeitos, sua vida
profissional tem tudo para dar certo, seu lazer está no auge... Mesmo que não.
Mas é o que repetimos para nós mesmos, o que queremos acreditar que é nosso.
Por isso
escrevemos capítulos recheados de adjetivos – sentimos tudo e com intensidade.
O desejo de que as pessoas não nos abandonem se torna base suficiente para a
crença de que elas não irão – não, nunca fariam isso. Os pais que nos tiram do
sério são os mesmos para quem corremos no domingo à noite, pedindo colo ou
companhia para um filme. Inclusive sua profissão só precisará de um
empurrãozinho, você só tem que se dedicar e está tudo certo. O otimismo
presente em nossos sorrisos inocentes.
Até que
chegamos à fase crítica em que percebemos que a nossa história, por mais que
seja nossa, nós não a escrevemos sozinhos. Aqueles melhores amigos do mundo têm
seus próprios lápis e eles vão escrever a própria história – e isso interfere
no que será escrito por você. Quando seus pais continuam suas histórias, do
jeito que eles quiserem continuá-las, transformam a sua. Seu desempenho
profissional dependerá de uma série de outras histórias que estão sendo
simultaneamente escritas. O lápis que parecia ter o poder, na verdade, é só
mais um dentre tantos outros – e, assim como os outros, não está sozinho ao
escrever.
Acabamos nos
sobrecarregando de um pessimismo que nos coloca em nosso devido lugar: “Não vá
pensando que sua história será como você imaginou que seria, existem outros
autores, querendo outros fins, escrevendo diferentes meios, aspirando a
consequências distintas”. E o que os outros escrevem nem sempre é o que você
queria que acontecesse na sua história. “Aquilo ali não tem clímax, ou não tem
sorriso, ou não tem mocinho e vilão, ou só tem confusão demais...” Serão feitas
inúteis, as críticas. “Mas é muito chove-não-molha, é muito papo furado, é
muito disse-me-disse, quanto toma-lá-dá-cá...” Todas inúteis.
O medo que dá é
desse pessimismo pesar de um jeito que faça a gente perder o controle do lápis
e deixar que os outros escrevam nossa história. É de se perder a ponto de se
esquivar da responsabilidade de escrever seu próprio enredo porque os
contratempos dos choques de roteiro o fizeram esquecer a coragem de recomeçar
personagens, resignificar vivências. É de abandonar o entusiasmo para acreditar
outra vez e, com muito jogo de cintura, chegar aos esperados fins por meios
inusitados. É de desistir de investir nos resultados pelo cansaço das
repetições.
É só o medo de
permitir que o que a gente escreveu até agora nos impeça de continuar a
história. Mas, em algum lugar guardado na gente, tem uma brechinha de
esperança. Já exausta, mas está lá. Que a gente cultive suficiente amor-próprio
para deixá-la florescer, a esperança (mesmo que seja este o sentimento mais
assustador).
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