domingo, 16 de setembro de 2012

Sobre o escrito, e o escritor, e a vida...



Quando crianças, escrevemos nossas histórias com empolgação, mas bem de leve. Parece que ainda não sentimos firmeza ao segurar o lápis. Traçamos no papel as peripécias de uma vida aparentemente tranquila, onde os problemas são dramas de quem ainda não entende o que acontece.

Você cresce um pouco e começa a escrever com mais propriedade, quer deixar as marcas no papel. Quer pensar que se depois decidir ler, vai gostar do que viveu. Deve ser aí que a gente começa a sentir tudo intensamente. E é aí que começam os superlativos. De repente temos os melhores amigos do mundo, os melhores pais que alguém poderia ter, a família mais aconchegante com todos os seus defeitos, sua vida profissional tem tudo para dar certo, seu lazer está no auge... Mesmo que não. Mas é o que repetimos para nós mesmos, o que queremos acreditar que é nosso.

Por isso escrevemos capítulos recheados de adjetivos – sentimos tudo e com intensidade. O desejo de que as pessoas não nos abandonem se torna base suficiente para a crença de que elas não irão – não, nunca fariam isso. Os pais que nos tiram do sério são os mesmos para quem corremos no domingo à noite, pedindo colo ou companhia para um filme. Inclusive sua profissão só precisará de um empurrãozinho, você só tem que se dedicar e está tudo certo. O otimismo presente em nossos sorrisos inocentes.

Até que chegamos à fase crítica em que percebemos que a nossa história, por mais que seja nossa, nós não a escrevemos sozinhos. Aqueles melhores amigos do mundo têm seus próprios lápis e eles vão escrever a própria história – e isso interfere no que será escrito por você. Quando seus pais continuam suas histórias, do jeito que eles quiserem continuá-las, transformam a sua. Seu desempenho profissional dependerá de uma série de outras histórias que estão sendo simultaneamente escritas. O lápis que parecia ter o poder, na verdade, é só mais um dentre tantos outros – e, assim como os outros, não está sozinho ao escrever.

Acabamos nos sobrecarregando de um pessimismo que nos coloca em nosso devido lugar: “Não vá pensando que sua história será como você imaginou que seria, existem outros autores, querendo outros fins, escrevendo diferentes meios, aspirando a consequências distintas”. E o que os outros escrevem nem sempre é o que você queria que acontecesse na sua história. “Aquilo ali não tem clímax, ou não tem sorriso, ou não tem mocinho e vilão, ou só tem confusão demais...” Serão feitas inúteis, as críticas. “Mas é muito chove-não-molha, é muito papo furado, é muito disse-me-disse, quanto toma-lá-dá-cá...” Todas inúteis.

O medo que dá é desse pessimismo pesar de um jeito que faça a gente perder o controle do lápis e deixar que os outros escrevam nossa história. É de se perder a ponto de se esquivar da responsabilidade de escrever seu próprio enredo porque os contratempos dos choques de roteiro o fizeram esquecer a coragem de recomeçar personagens, resignificar vivências. É de abandonar o entusiasmo para acreditar outra vez e, com muito jogo de cintura, chegar aos esperados fins por meios inusitados. É de desistir de investir nos resultados pelo cansaço das repetições.

É só o medo de permitir que o que a gente escreveu até agora nos impeça de continuar a história. Mas, em algum lugar guardado na gente, tem uma brechinha de esperança. Já exausta, mas está lá. Que a gente cultive suficiente amor-próprio para deixá-la florescer, a esperança (mesmo que seja este o sentimento mais assustador).

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