domingo, 3 de julho de 2011

Pra valer



- Pula?

Segurou firme sua mão, apertou-a.

- Chega mais perto de mim, vai. Me abraça.

- Eu não sei, eu não entendo.

- Pula comigo.

-
Vai doer.

- Mas vai valer.

Olhou bem fundo nos outros olhos, apertados.

- Valer o quê?

- Não sei. Sei que vale, vale sim. Vale a pena. Vale a dor. Confia em mim, vai valer. Tem valor.

- Você se joga assim, sem saber o que tem lá embaixo.

Arrepio que a imaginação provoca, encolhe-se pelo que desperta.

- Por que está de olhos fechados?

- Não quero ver.

- Tudo bem. Mas depois que você abrir, não tem mais volta, viu?

- Tenho medo.

Suspiraram.

- Eu sei. Eu tenho também.

- Você não tem medo.

- Tenho sim, tenho mais que você. Mas eu quero. Você vai pular comigo?

- Vamos continuar sentados um pouco. Pode ser?

- Um pouco.

Cheiro de brisa morna que não aquece o frio de dentro. Será que tinha sorriso? Será que tinha dor? Alegria, medo, saudade, carinho? Tinha ciúme? Tinha indecisão? Certeza? E esperança? Tinha futuro? Tinha o quê? Era fundo. Fundo demais, nem se via um fim. O medo sempre vem quando não se enxerga o fim.

- Não tem estrelas no céu.

- Você acha que se a gente mergulhar, encontra?

- Só dá pra saber se tentar.

- Para.

- Parar o quê?

- Tá me pressionando, quer fazer com que eu pule.

- Eu quero que você pule. Mas você só vem se quiser.

- Eu disse, tenho medo. Aquele medo do fim chegar de repente, pegar de surpresa e de jeito, deixar meio sem chão, meio sem ar.

Brisa morna que não aquece, que resfria o pensamento, que prende a respiração.

- Mas eu acho que vou.

- Eu vou continuar segurando sua mão. Se você tiver certeza que vai, de olhos abertos, peito estufado, a gente pula.

Houve um silêncio.

- Eu te amo.

E seus olhos enfim abertos encararam os cantos dos lábios do sorriso do outro.

- Eu sei. Eu também te amo. Estou aqui.

O medo hesita, o sentimento mergulha.

- Eu estou pronto.

- Eu estou aqui com você. Quer mesmo?

- Você está comigo. Eu quero.

Procuravam fôlego. Agora era pra valer.

- Eu quero pular olhando pra você.

- Eu te olho também.

- Segura firme de verdade.

Houve aquele respirar fundo de quem reúne coragem para se entregar. E houve entrega. Houve mergulho. Mergulharam, quase sem fôlego, encarando um ao outro em sua entrega. Ao redor, parecia nada haver. O mundo era o mergulho neste mundo que se apresentava ali, à frente, no mais profundo do olho do outro. Pularam sem pensar no fim, ignorando o medo da surpresa de sua chegada, na vã esperança de que nunca viesse. Pularam. Pra valer. Porque tinha valor. Nada mais.

- Vai ficar comigo?

- Até o fim.

Um comentário:

Alice disse...

Mille, tinha quase esquecido de como você era boa com palavras, tanto tempo havia que não te lia. Mas você é fantástica.