terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Carta aberta em voz alta

(...) você torna tudo maior, mais comprido e mais complicado, a história fica sempre longa e a pessoa sem saber contar... Não digo que é bom nem ruim, é teu jeito só. Surpreende sem intenção mesmo, é o que parece. Mas também se tu tivesse intenção eu não sei se faria diferença. Acho que pra mim faz, pelo menos um pouco. Porque gosto de pensar que é sem intenção que você age, assim feito... Parece que... Olha, eu nem sei. Sei que podia ser, podia ter sido, mas é você e essas reticências... Esse espaço em aberto... Não tô querendo te responsabilizar por nada não, nem acho que a culpa é tua. É o que eu to tentando te dizer, na verdade, não sei se tô sendo claro... Mas é que tu é assim meio sem intenção, entendeu? Oxe, e teu despropósito que me encanta, visse? Acho que é por isso que faz diferença pra mim. Não, vou fugir do assunto não, eu só queria dizer que isso, isso de você deixar as coisas em proporções maiores do que elas pareciam ter antes, quando elas eram só pra mim, faz eu me sentir indefeso, sabe, desajeitado tentando dar um jeito no que eu nem quis que fosse assim, tão desse tamanho todo. E é você tornar tudo maior sem estar sequer tentando fazer com que as coisas se aumentem, sabe, elas têm o tamanho que têm, e pra você elas são enormes assim mesmo, e quando eu vejo você transformando, sem querer, uma coisa que pra mim era pouco nesse monte de coisa maior e mais comprida e complicada, eu fico doido! Fico doido, dá vontade de ir embora, de não me meter, de ser proporcional, mas vixe, eu fico doido por tu, mulher, eu não sei como tu faz isso! Não sei como tu transforma água em vinho e me deixa embriagado assim. Tu, esse teu jeito, não é nem bom nem ruim, mas me deixa doido. Tu derruba umas gavetas muito bem arrumadas toda vez que chega na minha vida. E eu não acho que a culpa é tua, não é que você chega e, por querer, bagunça a casa recém organizada, não é tu sendo desleixada ou destrutiva, não é o que eu tô dizendo... O que eu tô dizendo é que... É que assim, querer estar contigo é ficar perdido no meio do oceano. É horizonte pra todo lado, mas sempre vasto, e distante, e eu não sei nadar pra chegar em nenhum. Se tu não decide o que fazer comigo, parece que eu não tenho escolha. Profundezas ou ventania é o que são minhas alternativas. E eu nunca escolho, fico feito idiota aqui parado no meio da tua maré, esperando que tu que decida pra onde vai me levar. Que tu que decida se me deixa numa ilha segura ou me afoga em uma das tuas tempestades. Mas é esse teu despropósito, entendeu? É esse teu despropósito! Eu fico doido... E não decido nada, quase sempre de propósito, porque parece que é o único jeito. Só assim, quem sabe, eu te desmascaro. Te revelo. Descubro que tu tem intenção. Há de ter. É o jeito, há de ter. Acho que pra mim isso faz toda a diferença.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Quando um não quer, dois não se encontram



            Só te encontro a caminho da padaria. Na fila da lotérica, e quando já vai chegar a minha vez. Correndo pra alcançar o ônibus que tá vindo ali na esquina já e vai demorar mais uns 40min pra passar de novo. Quando cê tá pra lá de atrasado pra um compromisso, acordou tarde, quase que perde a hora... Já pensou? Parece que a hora da gente não encaixa. Que minto, e que a hora nunca é da gente mesmo, que tem a tua hora, e tem a minha hora, e que são horas diferentes, elas mal se encontram, não se acertam.

            Outro dia eu saí de casa tão despreocupada, tão querendo o passo lento e calmo da vida, que você foi meu primeiro pensamento. Saí assim pensando com tudo o que eu sou que naquele dia era pra gente se encontrar, a qualquer esquina do meu caminho, do teu caminho, era pra ser nosso encontro. Desejei tanto, como quem acredita piamente que a força do pensamento é suficiente para que a vida entre no eixo do nosso querer. E eu acreditei tanto que eu achei que ia entrar e que tu ia aparecer pra reparar no meu corte de cabelo e não falar nada, pra eu saber que teu coração ia acelerar que nem o meu, e a gente ia querer junto que tivesse um depois dali, porque o presente não ia bastar.

            Eu queria assim, um presente que não bastasse pra nós. Imagina que coisa bonita que ia ser se a gente se encontrasse ali naquele dia calmo que eu saí de casa despreocupada e querendo te trazer ao meu encontro só na força do pensamento, um pensamento que ia ser tão forte que ia mesmo te trazer pra me encontrar, e reparar na minha calma, e no meu cabelo, e no meu coração querendo abraçar o teu só pela velocidade. Tu sabe como eu adoro que o negócio seja bonito assim que nem na minha cabeça, né? Que eu sou só romance por baixo de um monte de pensamento moderno como cada um na sua e etc.

            Voltar pra casa sem te ver naquele dia era como uma comprovação lógica de que a hora ainda não era essa, e teu tempo ainda era diferente do meu, e nossa hora ainda não era nossa, tinha a tua e tinha a minha, mas elas são diferentes e mal se encontram. Era pra ter sido mais do mesmo e não foi. É que minha hora de ser junto da tua já tinha chegado, e eu saí despreocupada é porque tudo em mim era a fé de que dessa vez era pra ser. Tudo em mim era o desejo de fazer com que dessa vez fosse. Mas eu sou é besta, ou só muito autocentrada, porque na crença de que meu tempo tava pronto pra ser finalmente teu tempo também, eu me esqueci de que um encontro pede pelo menos dois entes dispostos à coisa que está prestes a acontecer ali, no além do primeiro passo.

            Mais uma vez eu estava te encontrando a caminho da padaria, mas eu estar disposta a abrir mão do café da manhã só pra gente poder trocar uns miúdos, com calma, à procura de um depois de agora, ceifou aquilo que chamam de - sem cuidado, talvez - ação despretensiosa. Acho que fui pretensiosa demais. Vi meu querer desabrochar de um jeito tão bonito que parecia pronto pra frutificar. Achei que, pretensiosamente, meu querer bastava pro teu. Doloroso a gente ver assim crescer na gente não só o sentimento bonito que era eu querer tu comigo, mas o negócio feio que era eu achar que isso bastava pra tu entrar na hora e fazê-la nossa.

            Não sei, eu tenho uma tendência difícil a pegar pesado comigo mesma, sabe, acho até que cê sentiu (ou era o que dava pra ver pelo tom de luminosidade com que tentou encher a maré tempestuosa que são meus pensamentos), mas eu to vendo é que tem sido essa a minha casca de banana no chão: a pretensão. Só que se a gente tem um negócio na cabeça, no coração, na vontade, tá ruim de não pretender, planejar, se propor, almejar e esses outros sinônimos, não é não? Tá ruim de não se arremeter pra não se arrematar. Tá ruim de não botar fé que vai ser bom, que vai ser nosso e que vai ser.

            Talvez, só talvez, deixar de agir despretensiosamente faça parte de eu estar disposta ao nosso encontro. Daí que talvez tudo o que eu senti saindo de braços abertos ao encontro de alguém que nem sei se viria tenha sido uma presunção de anseio mais que de arrogância. É isso, eu preciso acolher uma ambição que nasce tão genuína e se entrega no impulso inconsequente da esperança, sabe? Acolhê-la ciente de que a casca de banana em que escorreguei também tem propriedades de cicatrização sobre a pele irritada. Cê pode procurar saber, minha vó que me ensinou tem poucos dias.

            E eu vou ouvir o conselho da minha veinha, viu... Se, na correria pra alcançar o ônibus a tempo, a afobação da minha pretensão me fizer de novo escorregar, vou respirar fundo e seguir, voltar pra casa, me acalmar, como fiz naquele dia. Só que agora eu sei que no mesmo canto em que a gente tropeça, a gente encontra a cura. A casca de banana que era só meu empecilho, se bem utilizada, vai ser minha cicatriz. E, um dia, esse desencontro tão palpável que parece coisa quando pesa sobre meu peito, vai ser só a lembrança, talvez marca, de um trecho de vida que percorri, mas já passou. Talvez junto com você. Vou deixar curar... Mas talvez, só talvez.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Por um trisco


Ali, bem no meio,
entalado no asfalto e
ameaçando desfazer,
um risco.

Era só contestação
o olhar que me danava,
mesmo debaixo pra cima,
o tal do risco.

E era óbvio:
queria me provocar,
cheio de si, tinha lá
um desafio a me lançar.

Era só olhar pra ver.

E eu olhei,
pois então eu vi...

Juntei as forças,
todas que tivesse,
pesquei os ares,
todos que pudesse,

Com meia vontade
e meio de migué,
fui lá, encaixei meu pé

ali
bem no meio
na primeira ponta do risco...

Minhas pernas já bambas,
denunciando tanto e
ameaçando desfazer,
mas eu quis nem saber.

Olhei o risco
que me olhou de volta,
mesmo no olho.
Parecia um cisco.

E nessa hora
já não tinha baixo
nem cima,
força, ar, desafio
ou migué...

Mais nada eu vi...

Era eu e o risco.
E eu corri.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Tenacidade


     Faz silêncio só em tu não. Tu acha que é assim, é? O barulho dessa cidade ecoa no peito de cada dito, bendito e maldito cidadão que anda por essas ruas aí. Ou tu acha que é especial? Tá achando que o mundo é obra tua? Que é obra pra tu? É não, meu filho, é não! O barulho dessa cidade é silêncio no peito de tudinho. Mas é porque também né, tem quem sinta bom e quem sinta ruim. Eu mesma acho isso bom não. Quer dizer, tem hora, né? Tem hora que é ruim de se lascar, mas tem hora que eu consigo ouvir direitinho, nem parece que é uma dor. É que nem tu, a pessoa nem sabe direito, mas tu tem hora que eu sinto bom e tem hora que eu sinto ruim. Fico é doidinha pra te botar pra fora daqui, que eu não gosto desses negócios de pano mal passado, não. Ou passa direitinho, ou veste amarrotado mesmo! Tem que assumir um lado, né não? Ou tu não acha? Ai, tu me cansa, sabia, tu me cansa! Que negócio de falar bonito como se agisse bonito igual! Tu engana ninguém não, tu que pensa. O enganado aqui é tu, visse, porque fica aí achando que essa cidade não ecoa, como se a cidade não fosse um mundo todinho no meio das coxas e a pessoa lá, tentando andar mesmo assim. Queria só ver mesmo tu andando com o mundo que tem gente que carrega nas coxas... Andava nada, que eu te conheço! Tu ficava era se resmungando pra lá e pra cá, como que esperando que alguém fosse tirar dali um mundo que é teu e que tu botou sozinho mesmo onde ia impedir de andar. Tu, que pensa que cidade não é mundo, deve nem saber que silêncio não é chão! Não é chão que se pise, né? Mas que dá sustento pra tu ficar achando um monte de coisa sem saber de nada, isso dá! O peito inchado parecendo uma doença se expandindo, machucando, acabando com tudo... E tu sustentando o peso todinho em um silêncio que nem é só teu, e tu nem sabe! Mas silêncio não é chão que se pise, viu, e eu vou lhe dizer por que, e é só porque... Se bem que... Mas rapaz, quer saber? Eu vou dizer nada a tu não, é, digo mesmo não! Que é pra tu que acha que sabe tudo desinchar esse peito, tentando, procurando uma resposta. Tu acha que conhece esse teu silêncio, mas ele é só teu não. Faz silêncio em todo mundo nesse lugar! E nem se engane! É um silêncio só! Um silêncio só fazendo esse barulho todinho que ecoa no peito de cada dito, bendito e maldito cidadão que anda por essas ruas aqui. Não, nem diga mais nada! Quero ouvir mais nem um pio.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Tempo Atura

Disserto dores de uma paixão deserta.
A miragem é clara,
a de haver amor.
Irascível é o calafrio
calhando no peito
um terreno baldio,
fora de contexto.
Versam pretextos sobre
o frio calado no estômago,
o calor, o ardor,
o temor e

o amor.

domingo, 27 de setembro de 2015

Caranguejo


Como um susto, des-cubro. Debaixo, há o não-saber. Assustada, não sustento a verdade: desconheço o limite que evita a fusão. Tento que seja meu o que me sustém, e não é. Tento conhecer o que não é meu. O teu é?

Nunca sei.
Por isso o susto.
Por isso assusto.
O meu desconhecimento escurece a visão e não me deixo ver. Ou vejo...

PERCEVEJO. Fincá-lo na pele não confirma suas raízes, mas fere, tatua, sangra na marca que deixa. Se percebo o percevejo, finjo que não vejo. Deixo e me esqueço - não dele; de mim.

Cubro-me.

Debaixo, há o desconfiado que não se pronunciou. O desconfiado em silêncio, o desconfiado em muda-nça. Sustento-me se percebo o manto que me envolve e crio minhas ilusões de segurança, embora seja aqui o único lugar. Coberta, calo as descobertas, mas grito alívios.

POR SI VEJO, há em mim uma terceira pessoa que pede seus devidos pronomes. E se vejo, si vejo cítrica. E se não vejo, agridoce. No paladar, descubro o sabor para me dar. Desvendo-me ao deixar de não me ver.

Estou entre coberta e descobertas. Estou entre deixar de ver e desvendar-me. Entre o percevejo cravado e o por si vejo despertado. Entre o mudo e a dança. Eu lhes asseguro: não estou segura. O limiar é casa de ninguém; e o limite entre ser e te conhecer, perco-o no instante deste limiar. E aí, ou peixe... ou caranguejo-me.

domingo, 30 de agosto de 2015

Ensaio sobre a cegueira


Há sangue no asfalto
Pessoas correm, des-esperadas
Aguardam o disparo que
ensurdece a dor

No contato, não há
tato
Peço teto
Não tem certo

De vasta dor,
a violência
exclama:
há chamas          
em todo o clamor

Gritos, como apitos,
em surda prece
por silêncios, olhos
tidos e perdidos

O caos incongruente
atravessa as ruas
Vai, protege as tuas!
Os guardas despensam
Não refletem a gente

Engradado em casas,
em sua defensiva ilusão
de ótica..
- Mundo, normal tu estás!
E ninguém se retratou,

ou reparou.