quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Quando te falta o coração...


Caminhava por uma rua escura, com pouquíssima iluminação. Os muros ao redor eram altos e surrados. Havia vários postes desligados e, os outros poucos restantes, reluziam uma luz fraca e amarela, que por vezes piscava ameaçando apagar. A lua estava quase invisível, coberta por uma nuvem negra e sombria. Levava nos bolsos alguns centavos para comprar o que fosse para comer e uma foto, amassada e desbotada. A foto trazia em si as lembranças daquele tempo em que tudo parecia errado e estava mais do que certo, mais que perfeito. Uma morena dos cabelos compridos e negros sorria para o fotógrafo e trazia nos braços um pequeno urso de pelúcia, onde estavam escritas as palavras: “Eu amo você”.

Tomou a foto nas mãos, beijou-a e outra lágrima caiu de seu rosto. Perdas sempre aconteciam, com todos. Mas lhe levaram justo a mais preciosa das pedras, o mais precioso tesouro. A dor em seu peito apertava de tal forma que tudo parecia não existir mais. Apertava de tal maneira que seu rosto se contorcia, as lágrimas aceleravam e seus braços abraçavam seu próprio corpo, como se assim pudesse segurar qualquer pedaço do seu coração que estivesse prestes a cair agora.

Sentou-se à beira da calçada, próximo a um poste que piscava com mais freqüência que os outros, e deixou-se abalar pela tristeza. O desespero era tamanho que de repente não sentia mais vontade de continuar o seu caminho. Como se qualquer passo que desse fosse insuficiente e desnecessário, qualquer coisa que fizesse não mudaria nada que ele gostaria que fosse mudado. Seus cabelos longos de rapaz de apenas dezenove anos caíam sobre seus olhos e grudavam em seu rosto. Chorava como se o mundo lhe tivesse expulsado de seu lugar preferido, ou lhe tivesse tirado a vida.

Abraçar a tristeza não era algo que lhe aconselhariam ou mesmo que se aconselharia. Mas era o que queria fazer. E quando qualquer ser humano decide fazer qualquer coisa, ele faz. Independentemente de ser boa ou ruim, fácil ou difícil, melhor ou pior... ele faz. Faz porque o desejo de fazer é maior que qualquer outra coisa que se lhe oponha. Então ele a abraçaria e a acolheria. Iria trazê-la para perto de seu peito, abraçá-la, beijá-la, torná-la sua. Se lhe tiraram seu maior bem, ao mal ele pertenceria.

Deitou-se no chão frio e molhado da chuva de duas horas atrás. Podia sentir seus pêlos se eriçando ao toque do chão gelado no seu corpo, mas não se importou. Deixou que a dor fizesse qualquer efeito que fosse. Trouxe a foto novamente para perto dos seus olhos e afastou os cabelos do rosto para contemplar o rosto da bela moça que lhe sorria.

“Às vezes é necessário amar para entender. Em alguns casos, qualquer estudo que se faça não é suficiente para compreender um humano. Só é necessário amar. E quando você ama, você compreende... e aceita”, dissera-lhe certa vez.

Ao lembrar dessas palavras, seu coração apertou-se ainda mais – como se fosse mesmo possível. Saboreou a dor como se saboreasse um sorriso. Deu as boas-vindas ao que lhe machucava naquele momento e sentiu a dor penetrar cada centímetro do seu corpo.
Decidiu que seria lamentável ver aquele belo rosto manchado pela água da chuva que obviamente se aproximava e tentou tomar coragem para levantar no instante em que o poste mais próximo se apagou. Seguiu seu caminho como se fosse a última e única escolha a se fazer.

Entrou em casa, sem trancar a porta, e deitou-se no sofá exatamente como estava. Era notável a diferença do chão molhado para as almofadas do sofá quentinho e confortável. Ficou contemplando a foto por mais alguns minutos até que ouviu o telefone tocar. Decididamente não o atenderia. Sair um só centímetro do lugar onde estava definitivamente não estava em seus planos. O telefone tocou até que caiu na caixa postal. O recado foi deixado:

- “Estamos ligando para notificar que ela sobreviveu. Ao receber a mensagem, retorne-nos, por favor”.

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