sexta-feira, 9 de abril de 2010

Reminiscências


Um pássaro alheou a minha atenção e mudei a linha de meus pensamentos. Vislumbrei o crepúsculo e suspirei a ausência de nuvens. Era a saudade se esvaindo de meus pulmões exaustos. Eu possuía um jeito sutil de ajeitar os cabelos, roçando os cachos rapidamente no ar; um sorriso de tirar o fôlego daquele que se apaixona perdidamente por gestos sinceros; um olhar que sensualmente exprimia anseios e confundia leitores; um toque que, qualquer um jamais percebeu, vinha cheio de sentimento, todo intenso, ainda que simples.

E, no entanto, eu me lamentava por estar ali, em plena aurora da minha vida, sentindo-me sozinha e desejando uma fuga. O que meu peito queria era estar colado ao seu. As minhas mãos gostariam de ter seus dedos acariciando-as. Enquanto caminhava pelo parque, sentia meus passos arrastados à espera de outros a seu lado. E eu vivia assim, querendo tanto ter teu lado junto ao meu, querendo estar contigo sempre comigo, querendo você.

E meus dedos passeavam pelas teclas do piano com o pesar da solidão. Eu brincava delicadamente, expondo sentimentos que ninguém jamais se dispôs a ouvir, muito menos a entender, e desabafava sinfonicamente essa falta amarga que você me fazia.

E eu dedilhava o violão, deixando libertar-se no ar um agradável grito de saudade, um chamado tanto baixo quanto berrante por alguém que não estava ali.

E eu me detinha trancada no quarto, agarrada aos papéis e canetas, desenhando palavras que expressassem centímetros de alma, tentava inutilmente espaçar-me além do corpo que me prendia.

E nesse correr dos dias, eles se passam, e a espera para ter seu olhar percebendo o meu parece nunca ter um fim. Prossigo ansiando teus braços a me envolver e teus lábios, quando não me relatando suas infinitas narrativas, a tomar-me por inteira numa entrega às vezes sucinta, às vezes vagarosa.

E o pássaro alheou a minha atenção, mudei a linha de meus pensamentos, vislumbrei o céu, suspirei a ausência das nuvens... Mas o tempo todo com você junto a mim. Porque, mesmo sem você compartilhando o lado meu, eu te tenho muito além da presença. Eu te tenho aqui, dentro desse peito abarrotado, desse coração utópico, nesse sorriso que dou sem razão - eu te tenho aqui, comigo. Eu te tenho em mim.

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