sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Plenitude


O vento sussurrava verdades em seu ouvido, mas ela se recusava a acreditar. O veneno a havia tomado inteiramente. A verdade parecia pequena, descartável, porém decisivamente presente. O que precisava não era exatamente necessário, ela apenas o queria. Infantilmente, ela o queria, e abraçava seu desejo como uma criança carente e ingênua.

A tarde seguia amendoada, explanando equívocos e derramando insuficiência na compreensão dos fatos. As árvores faziam com que a garota não se sentisse completamente sozinha, dando a ela algo com que conversar. As palavras saíam soltas, concluindo pensamentos variados que perturbavam seu coração e juízo. Ela observava as flores que brotaram no início da primavera e perguntava-se a respeito do sabor de seus perfumes, quase imperceptíveis.

Havia um transbordar de emoções naquela menina. Ela era tão delicada, e sensitiva. Podia perceber as deficiências do mundo em que vivia. Tanto precisava de mudança, tanto precisava de carinho.

- Isso se torna cada vez mais difícil – murmurou para os gravetos mais próximos, tocando-os levemente. – Há tanto para esclarecer sozinha, sabe? Gostaria de um parceiro... Não, um parceiro não. Um amigo. De verdade.

As folhas balançaram assentindo, o que dava à menina o sinal de que entendiam a sua ausência de sentido. Talvez não seja assim tão absurdo não fazer sentido, pensou consigo mesma. E suspirou. Um suspiro carregado de cansaço e desejos embutidos.

Um aperto no peito fez surgir a primeira lágrima. Não fazer sentido poderia não ser absurdo, mas era significativamente doloroso. Agora que era capaz de ver coisas que não fora antes... Parecia inevitável permanecer de olhos abertos. A realidade a atingia de todas as formas, até as mais cruéis. A verdade a golpeava violentamente, fazia com que se sentisse perdida, desorientada.

- Não faz sentido, é verdade. Mas se alguém estivesse comigo, compartilhando esta ausência de significado, ou mesmo o excesso desse... Você me entende, não é? Nunca tive afinidade com matemática, mas dois parece um bom número para mim.

Sorriu abertamente e de olhos fechados, deixando sua mente vagar no imaginário, lágrimas se misturando à sua saliva. Disseram-lhe que lágrimas eram salgadas... Pois as suas não, eram doces. Saboreava a leve angústia das lágrimas, ainda de olhos fechados, ainda em seu mundo aéreo.

Ela estava certa, depois de tanto tempo, de que havia algo infinitamente prazeroso em seu mundo. A fantasia lhe deixava menos inquieta, mais esperançosa. E por isso permitia-se imaginar, aceitava ter um pouco de esperança. Não lhe faria muito mal.

- Sabe que eu andei pensando esses dias... Algumas coisas, mesmo que implícitas, têm valor imenso. – O seu jeito sapeca de se expressar, sorrindo meigamente, combinava com a brisa leve que brincava com seus cabelos. – Um bom dia, um sorriso, um abraço, um beijo... Gosto de coisas que possuem valores implícitos. São tão mais preciosas, não acha?

O ar bagunçava a copa das árvores, anunciava a mudança de tempo. A menina não se importava que pudesse chover, não sentia vontade de voltar para casa agora. Sentia que deveria ficar – ela queria ficar -, e conversar com a natureza, que lhe entenderia melhor que os outros humanos.

- Às vezes, quando estou sozinha, eu me perco em meus próprios pensamentos, como agora, e me faço perguntas que não sou capaz de responder. Muitas delas são sobre esse meu amigo... Que nunca chega. Será que ele sabe que está atrasado?

Outro suspiro escapou de seus pulmões, junto com um sorriso acanhado.

- Acho que não sou um bom exemplo, não é? Estou sempre me atrasando! Mas eu queria que ele viesse logo... Eu me sinto tão sozinha. Sozinha para entender tudo e aceitar tudo como entendo.

Era uma garotinha confusa, cheia de compreensões com as quais lidar. O que pode fazê-lo perguntar-se se é mesmo necessário compreender tanto. Às vezes saber demais não é exatamente confortável, mas incômodo. Entender! Quão difícil é entender!

- Quão difícil é entender! – prostrou-se indignada. – Se eu ao menos soubesse que não estou sozinha nesse mar de incoerência... Se eu pudesse encontrar um valor implícito que me fosse amigo, parceiro, amável... Quero valores implícitos...

Nesse momento já chorava livremente. Não conseguia mais conter a responsabilidade de ver claramente, então deixou-a libertar-se suavemente e desmanchar-se ao percorrer sua pele. Era a dor de não sentir esperança, ou de tê-la em demasiado.

Ela era um ser exorbitante que precisava de alguém para receber o seu excesso. De amor, de vida, de compreensão. A ternura pulsava ali dentro, a afeição que precisava trocar. Ela era cheia, repleta, intensa. Aberta ao mundo e às ideias. Ela compreendia e se sobrecarregava com o saber.

Ela era um sorriso gratuito, um carinho que se recebe sem solicitação. Ela era meio fantasiosa, meio realista. Era doce, frágil e poderosa. Ela era e se engraçava por ser.

Ela era e chorava, não por ser, mas por estar, mais uma vez, sem ninguém. Porque ela era tanto, mas tanto, que precisava de alguém a quem ceder o seu muito.

A boca da noite chegava engolindo-a e levando-a para o escuro acolhedor. As lágrimas estavam chegando ao fim, já voltava à conformação de sempre, da espera. Uma voz suave tocou os seus ouvidos, despertando seus sentidos e coração:

- Posso te ajudar, menina?

Ele se aproximou, sorriu, chegou.

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