quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Sobre beber cuidado e não engolir água


 - “Toma cuidado” – as pessoas dizem umas às outras.

É de beber? Não sei tomar cuidado. Não sei se tem pra vender ou como aprender, não sei se é automático ou se a gente custa a entender como se faz, sequer sei se cuidado é coisa para se tomar mesmo. Às vezes parece que se você não for o cuidado que pedem para que você tome, não tem jeito, não tem saída – o descuido vem logo a seguir. E se eu não for o cuidado? O descuido é meu próximo passo, assim como os últimos que caminhei?

Faço tudo como se faz um mergulho – ora estou na superfície, ora já estou molhada, afundei-me, ensopada, nadando, sem chão e sem ar. Se não dou tempo para me molhar aos poucos, se não espero me acostumar à mudança de temperatura e de pressão: vou me afogar? Porque talvez não saiba nadar. Digo isso porque minhas experiências passadas não são suficientes para me fazer lidar com o presente como quem já tudo sabe. Não é porque sempre soube nadar que desta vez meu mergulho terá a beleza de quem sabe o que faz e se realizará com a destreza de quem não falha. Posso falhar – e afundar.

Lembro-me de certa vez profetizar um mergulho sem receios que se realizou quase em silêncio no meio do mar. Bonito falar de mergulhos sem receios porque dá a entender a falta de importância de preocupar-se com a profundidade que se atingirá. Mas é que uma vez que se mergulha fundo, uma vez que se esteve prestes a afogar... Me fale o que sabe sobre o medo e você entenderá.

Mas se me falar em cuidado e mergulho, saberá que cuidado não se toma como se pode beber a água em que se pretende adentrar. Se não sou o cuidado ao mergulhar, sou o descuido do mergulho – fugaz, veloz, intenso, profundo, repentino e efêmero. Se sou passageira, gostaria de entender os sentimentos que não são. Que mesmo quando vão, voltam. Que mesmo que voltem, se vão. E são para sempre, mesmo que não sejam contínuos.

Sou para sempre? É que eu me sinto contínua. Até quando durmo, respiro. Posso me transformar no ar que entra em meus pulmões sem que eu possa controlá-lo. E se com descuido permito que me invadam, que entrem em mim e, sem controle, permito que me preencham os pulmões e me façam entrar em transformação, eu não sou cuidado, sou descuido. Sou descuidada. Se me permito transformar-me no ar que respiro, sou descuidada. Se me deixo respirar o ar como quem de ar precisa, sem me desafiar a me privar do ar de que preciso, se me deixo precisar do ar e sem ar não viver, sou descuidada. Se me deixo precisar de qualquer coisa que não seja eu, e se como desculpa me transformo no que eu ainda não era, se me transformo no ar para que possa precisar do ar sem culpa, puta merda, eu não sou cuidado, sou descuidada.

Se eu não sei do mergulho, do nadar, do que virá, do que passou... Se eu não sei do cuidado, do que respiro, do que é contínuo, do que é para sempre... Se eu não sei tomar cuidado ou beber da água em que mergulho... Se eu não sei... Meu deus, se eu não sei, o que é que me resta? O que me sobra? Só a ignorância de quem mergulha esperando coisas bonitas. De entrar na água torcendo para que esteja bem quentinha e gostosa, de nadar rezando para não torcer o pé bem no meio do caminho. Afinal, se eu sou o descuido, no meu mergulho há apenas esperança. Que isto me baste.

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